As mulheres e a paz: uma história das ausências


Date: September 13, 2012
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Maputo, 13 de Setembro de 2012 À“ O mês de Setembro é de grande importância polÁ­tica no quotidiano moçambicano; nela calham duas datas interligadas pela história de libertação do paÁ­s: 7 de Setembro, dia dos Acordos de Lusaka, que abriram o caminho para o fim da colonização portuguesa, e 25 de Setembro, que é oficialmente considerado o dia do inÁ­cio da luta de libertação.

Porém, o que se nota e o que se diz sobre os actores determinantes nessas datas é a ausência da mulher. Jorge Saiete, coordenador da organização não-governamental JustaPaz, disse que “mesmo nós que trabalhamos na Á¡rea da promoção da paz cometemos o erro de excluir a mulher do processo.À

Apesar de não existir muitos documentos sobre a participação da mulher na promoção da paz, Saiete afirma que é inegÁ¡vel que a nÁ­vel comunitÁ¡rio a mulher tem participado na edificação da paz.

Mas o que fica perscrutando os vÁ¡rios artigos escritos sobre a participação polÁ­tica da mulher é que ela não existe nos processos de edificação da paz. Talvez a sua não existência nos processos de edificação da paz se deva ao facto de que para os tomadores de decisÁµes ela não “existeÀ.

Mas serÁ¡ que nos dois processos de paz e reconciliação nacional (começando desde o término da luta de libertação ao fim da guerra fraticida dos 16 anos) a mulher não se fez presente? Duvido. Se nos atermos ao facto de que o trabalho doméstico não é remunerado, podemos também chegar a conclusão de que hÁ¡ outros trabalhos que a mulher faz e que não são “contabilizadosÀ na historiografia nacional.

Quem, por exemplo, esteve a trabalhar no processo da reabilitação e reintegração social dos veteranos da luta armada de libertação? Como diz Terezinha da Silva, numa apresentação feita em Agosto de 2007, “quando uma guerra termina, o principal desafio é sustentar e alcançar a reconciliação nos diferentes nÁ­veis da sociedade. Cada componente dela foi dividida por múltiplos aspectos do conflito e uma questão difÁ­cil de abordar foi ‘a integração social dos militares’À

Da Silva acrescenta que “a guerra contra o regime colonial português tinha durado dez anos: ganhamos mas com a vitória surgiu a necessidade de reintegrar as tropas da FRELIMO, considerados heróis da libertação, na comunidade. Alguns continuaram as suas carreiras no exército moçambicano, enquanto outros reintegraram-se sorrateiramente no novo tecido social da comunidade. Havia tropas da FRELIMO que precisavam de ajuda especial para a sua integração, tais como os portadores de deficiências.À

Esses guerrilheiros e as suas famÁ­lias foram convidadas a viver no Centro de Reabilitação de Nangade, que dista 600 kms da cidade nortenha de Pemba. Foram mulheres que jÁ¡ tinham algumas abilidades e conhecimentos que ajudaram os guerrilheiros e suas famÁ­lias serem reintegradas na comunidade, através de cursos de alfabetização, reabilitação fÁ­sica e social, entre outros. Graças ao trabalho dessas mulheres, os guerrilheiros e suas famÁ­lias regressavam Á s suas zonas de origem depois da reabilitação em Nangade.

Experiências como as acima mencionadas não se cingiram apenas aos combatentes da luta de libertação. O mesmo aconteceu mesmo depois da guerra dos 16 anos, que opôs frente-a-frente moçambicanos. Apesar de que os envolvidos praticaram vÁ¡rias atrocidades, tinham que voltar para casa. E houve estratégias utilizadas para facilitar a reconciliação com as comunidades, incluindo cerimónias de purificação, num processo que terminava com o perdão ao antigo agressor À“ e nesses processos a mulher, que teria sido a maior vÁ­tima da guerra, também participou.

É bom que se frise que o processo de reconciliação e reintegração constitui a pedra basilar para a edificação da paz após o término de um conflito, daÁ­ que me surpreenda a não existência formal da mulher no processo quando estÁ¡ claro que ela também participa. Portanto, do ponto de vista formal elas são invisÁ­veis.

SerÁ¡ porque toda a estrutura do poder é ainda muito masculinizado? Este me parece ser um dos grandes problemas que medeia todo o discurso das relaçÁµes do género, em que apesar de se incentivar a participação da mulher na esfera pública, o mesmo é apenas para o cumprimento das metas das NaçÁµes Unidas.

O Protocolo da SADC sobre Género e Desenvolvimento, que Moçambique ratificou, reza no seu Artigo 28 que “Os Estados Partes deverão instituir medidas tendentes a assegurar que as mulheres tenham igual representação e participação em importantes cargos decisórios, nos processos de resolução de conflitos e de manutenção de paz, até 2015, em conformidade com a Resolução 1325 do Conselho de Segurança das NaçÁµes Unidas sobre a Mulher, a Paz e a Segurança.À

Uma observação atenta nos revela que apesar destes instrumentos internacionais e regionais, a mulher ainda não se encontra representada. Isto é crÁ­tico num momento em que o mundo comemora em Outubro o XII º ano da vigência da Resolução 1325.

Portanto, vai ser preciso toda uma mudança estrutural e societal até que a questão da igualdade e equidade do género seja um modo de ser e estar de todos nós, e que mesmo subconscientemente possa-se assumir que a participação da mulher em todas as esferas da sociedade é efectiva e não para o Inglês ver.

Enquanto isso não acontecer, a história da edificação da paz, como muitas outras histórias, vai ser uma história das ausências de mulheres.

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Bayano Valy é o editor do Serviço Lusófono da Gender Links. Este artigo faz parte do Serviço Lusófono da Gender Links

 


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