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Querido Pai,
JÁ¡ passa uma década que nos deixou – meu irmão, minha irmã e a mim -, mas parece que foi ontem que colapsou enquanto colava pósteres em Harare, em apoio dum estado palestiano independente. Na tarde de 5 de Abril de 2001, foi hospitalizado e diagnosticado como estando num estado agudo de exaustão, embora mais tarde os testes médicos mostraram que o cancro linfÁ¡tico contra o qual vinha lutando por quatro anos jÁ¡ tinha tomado contra de cada milÁmetro do teu corpo.
A história é sobre os poderosos e fortes. Em grande medida, eles destroem e pilham entre breves momentos de iluminação. É um outro elenco de personagens que faz a história . as pequenas pessoas que, evitando o poder, trabalham nas bases para fazer a diferença nas vidas de pessoas em seu redor. Tu és uma das tais “pequenas mais grandesÀ pessoas.
John Robert William Lowe nasceu no dia 2 de Agosto de 1930, filho dum criador de ovelhas, e mais tarde um empreteiro bem sucedido e rico, numa pequena cidade no Karoo, no provÁncia sul-africana de Cabo. O seu pai, Robert Lowe, nasceu em Londres no auge da revolução bolchevique, quando estava na moda entre os jovens içar a bandeira vermelha, mesmo se tivessem pouca ideia do que isso significava.
Bob Lowe teceu uma história socialista convincente mesmo enquanto se tornava num grande capitalista. Uma das suas estórias favoritas era sobre um criador de porcos que se chamava socialista e um outro que permeneceu um céptico. O farmeiro céptico perguntou ao criador de porcos: “se tivesses vinte carneiros, davas-me dez?À “Claro que dava-te,À respondeu o criador de porcos. “Se tivesses cinquenta frangos, davas-me vinte-cinco?À “Claro que sim,À foi a resposta. “Se tivesses trinta porcos, davas-me quinze?À “Sabes que crio porcos!À retorquiu o criador de porcos!
De Bob herdou um grande sentido de humor, uma das suas mais cativantes qualidades. A sua mãe Muriel legou-lhe a sua voz maravilhosa para cantar, bem como uma elegância e charme que limava as arestas da sua robustez e excentricidades. Era o tipo de homem que atava os sapatos com arames se não achasse os atacadores. Ainda assim amava dançar, cantar, ballet e bom teatro À“ relÁquias da sua classe que nunca conseguiu se livrar dela.
Bob e Muriel eram boas pessoas, pessoas bondoas. Mas na turbulenta África do Sul dos anos 1940 e 1950, eles, como muitos dos seus compatriotas brancos, escolheram um rumo de pouca resistência. Ousar ser diferente colocava um custo social muito elevado. Decidiram que era melhor serem criadores de porcos À“ romantizar a revolução sem intenção de fazer parte dela.
Essa dicotomia foi-lhe tornando cada vez desconfortÁ¡vel. Como escreveu no seu livro não concluido, Learning to Love: “Por volta de 1940, um menino de nove anos sentou numa vila no Á¡rido Karoo sul-africanos, olhando para o lamacento rio Great Fish, que outrora foi a fronteira conturbada entre os pretos que Áam rumo ao sul e os brancos rumo ao norte. Ele era um ‘wasp’ À“ branco, anglo-saxão, protestante À“ um membro duma minoria privilegiada.
“Quando os seu olhar sonhador terminou, os seus pequenos fortes pés caminharam pela encosta abaixo, pelo xisto e mata do Karoo, pelo canal de irrigação e para a casa branca da farma no vale abaixo, aos que o amavam, ensinavam e o criavam. E por algum motivo, Á medida em que crescia num adolescente, adulto e velhice, todos os privilégios que recebeu não trouxeram-no alegria e durante muito tempo desejou ter coragem para se libertar das suas armadilhas culturais.À
Em 1955, casou a minha mãe Joy, agitando a comunidade de Pietermaritzburg e fazendo cabeçalhos em jornais locais por ter “nativosÀ na sua lista de convidados e continuando com o casamento “zebraÀ. O meu avô materno ficou irado. Jurou romper com todos os laços convosco, e durante vÁ¡rios anos fez justamente isso, especialmente depois de ter decidido mudar-se para um canto remoto do pré-independente Zimbabwe para trabalhar numa missão progressiva.
Na Missão de Chikore, no canto sudeste do actual Zimbabawe, poucos quilometros de Moçambique, com a minha mãe trabalharam juntos para compreender a polÁtica do dia, e mais importante, para compreender a polÁtica do futuro. Como, perguntou, podÁam preparar os vossos filhos para uma África Austral no século XXI? Jurou enviar os seus filhos para uma escola missionÁ¡ria onde apenas havia apenas estudantes brancos; para falarem a lÁngua local; para comer a comida local e nunca usar qualquer infrastrutura com sinais de “brancos apenasÀ.
Em 1975, depois da independência de Moçambique, milhares de jovens zimbabweanos atravessaram a fronteira para se juntar Á s forças de libertação, incluindo cerca de metade dos 300 estudantes da Escola SecundÁ¡ria de Chikore. De dia para noite, encontramo-nos no centro da chamada “Operação FuracãoÀ À“ o ataque total das forças de segurança rodesianas. Despojado da sua cidadania, procurou refúgio no vizinho Botswana.
Quando o Zimbabwe se tornou independente em 1980, regressou com a minha mãe. Em Agosto de 1994, a minha mãe perdeu a batalha para o cancro de fÁgado. Três anos depois disso, trouxe a tese central de que amar os mais próximos é amor egoÁsta: o grau do nosso amor e carinho pelo resto da humanidade é o verdadeiro teste de amor.
Em certos momentos quando era criança e mesmo quando cresci como adulta, eu ressentia-me desse amor pela humanidade em detrimento da famÁlia imediata. Mais tarde debatemos sobre o significado de paternidade. Na altura, queria desesperadamente fazer as pazes com os seus filhos.
Mas quando cheguei ao hospital de Santa Ann nas primeitas horas do dia 6 de Abril de 2001, eu tinha um único pensamento enquanto entrava no quarto onde descansava em paz definitiva: a profunda gratidão que senti pela previsão dum menino branco vagueando pelas encostas duma vila, no Karoo. Por ousar ser diferente, sei que me preparou duma forma que nenhuma outra pessoa podia para a África Austral do século XXI.
Hoje, e sempre, celebro-lhe.
Sua filha querida,
Colleen.
Colleen Lowe Morna é a Presidente da Gender Links. Este artigo faz parte serviço especial do Serviço de Opinião e ComentÁ¡rio da Gender Links, celebrando Pais Fenomenais.
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