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Eu fui casada de 1976 Á 1998. Foram uns primeiros anos de felicidade. Mas do nada o meu marido parou de sustentar a famÁlia. Tive que fazer alguma coisa e passei a vender no mercado. E foi quando os desentendimentos começaram.
Ele proibiu-me de vender. Disse que não queria que eu trabalhasse fora de casa, e para mostrar o seu descontentamento deixou de falar comigo. Passaram-se um ano e meio sem que ele me dirigisse uma palavra. Quando quisesse falar comigo, mandava recados através dos meus filhos e era desta maneira que nos comunicÁ¡vamos.
Quando voltava do mercado depois de vender, o meu marido abandonava a sala e ficava no quarto de dormir. Tive que passar a dormir na esteira para não ter que dormir com ele na mesma cama.
A razão por que o meu marido não queria que fosse trabalhar eram as suas suspeitas de que eu tinha amantes, e que vender era a desculpa que eu tinha para sair de casa para me encontrar com eles. Embora ele não me agredisse fisicamente, houve momentos em que quando voltasse do mercado, ele insultava-me.
Em 1995, senti-me cansada e não queria continuar a ser desprezada. Resolvi abandonÁ¡-lo juntamente com os meus seis filhos. SaÁ de casa e inicialmente fui viver na estação dos caminhos-de-ferro, mas uma vendedeira amiga deu-nos abrigo em casa dela, o que nos ajudou durante o momento de transição.
Eu e os meus filhos vivemos com ela durante três meses até ajudar-me a encontrar um terreno, onde construÁ uma palhota para mim e os meus filhos. Pouco a pouco fui juntando o rendimento que obtinha da venda no mercado até construir uma casa de alvenaria com quatro quartos, e sustentar os filhos até tornarem-se adultos.
O meu marido nunca mais quis saber nem de mim nem dos meus filhos. Graças a Deus, eles jÁ¡ estão crescidos e casados.
A secretÁ¡ria da OMM (Organização da Mulher Moçambicana) no mercado convidou-me a participar num seminÁ¡rio de dois dias sobre violência doméstica, organizado pelo Fórum Mulher em parceria com a AMUDEIA. Gostei de ter participado, tendo aceite o convite de ser activista no gabinete de atendimento a violência da AMUDEIA. As outras senhoras não aceitaram ser activistas porque era um trabalho voluntÁ¡rio e sem remuneração. Eu aceitei e hoje sou para-legal.
A minha vida melhorou quando passei a fazer parte da associação AMUDEIA. Em 2006, entrei para alfabetização de adultos, onde aprendi a ler e a escrever. Ser membro da AMUDEIA ajudou-me a clarear as ideias, nos encontros de terapia conjunta com outras mulheres da associação aprendi a organizar a minha vida emocional e financeira.
Como para-legal aconselho a homens e mulheres e faço o acompanhamento dos problemas desde o lar.
O facto de ter sido vÁtima de violência e hoje para-legal dÁ¡-me vontade para tratar de um assunto tão delicado como a violência, e sinto-me obrigada a ajudar as mulheres que vivem na mesma situação a terem força e coragem para enfrentarem a situação e serem capazes de liderar as suas vidas.
Durante muito tempo fui considerada uma maluca por ter abandonado o meu marido. Mas não tenho vergonha de contar a minha história e de ser tratada como vÁtima. Um dia a minha história vai ser publicada e conhecida por todos as famÁlias, que irão perceber porque fui obrigada a sair de casa.
Os meus filhos têm orgulho de mim e do trabalho que faço como para-legal. Eles apoiam a minha posição porque também viveram os momentos de agressão e sabem que ele (o pai) hoje encontra-se em piores condiçÁµes de vida e sem apoio de ninguém. Mesmo assim pediram-me para ajudÁ¡-lo financeiramente. Não guardei rancor e ajudei-o até os meus filhos começarem a trabalhar, sendo que depois transferi a responsabilidade de ajudÁ¡-lo para eles.
Esta estória faz parte da série das Estórias “Eu” produzidas pelo Serviço Lusófono de Opinião e ComentÁ¡rio da Gender Links para o 16 Dias de Activismo sobre Violência Baseada no Género
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