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Maputo, 1 de Dezembro: Todos os dias, Lúcia Macamo, cinco anos de idade, acorda pelas manhãs para tomar a sua dose de anti-retrovirais, vitaminas, como gosta de dizer a sua mãe, dona Paula. Lúcia Macamo é uma criança que vive com o HIV, transmitido Á nascença pela sua progenitora.
A dona Paula, confessa que foi negligência sua que passou a infecção para filha e conta como tudo aconteceu.
“Comecei a namorar com 15 anos de idade, portanto, ainda adolescente e inexperiente. Tinha preferência pelos homens mais velhos, alguns casados, pois davam-me dinheiro para comprar roupas. Eu gostava de aventurar e como eles tinham dinheiro levavam-me a passear e ainda me levavam de carro para casa.
Na altura eu estava na oitava classe e estudava no curso nocturno numa das escolas públicas da cidade capital. O meu rendimento escolar era baixo pois não me dedicava aos estudos. Só pensava em namorar. Namorava com vÁ¡rios homens ao mesmo tempo. Não sei quem me contaminou o virus. Praticava o sexo com todos eles, muitas vezes, sem o uso do preservativo.
Aos 18 anos descobri que estava grÁ¡vida. Pela inexperiência, só fui ao hospital quando jÁ¡ tinha seis meses de gravidez e graças Á insistência da minha mãe. Foi durante essa consulta que descobri que afinal estava grÁ¡vida e infectada”, contou a Paula.
Com semblante carregado, Paula diz não ser fÁ¡cil viver com esta doença, pior ainda ter uma filha, muita nova também a enfrentar o dilema de viver com o SIDA. Paula diz que não tem coragem para revelar Á sua filha que ambas estão infectadas. Justifica a sua atitude pelo facto de a filha ainda ser menor para entender o que significa ter essa doença. Confessa que ela induziu na filha a ideia de que os antirretrovirais que toma diariamente são vitaminas que ajudam no crescimento de uma criança. Coisa boa segundo a Paula é que o pai da Lúcia, apesar de ser um homem casado tem apoiado as duas a enfrentar esse dilema.
Ana Júlio, 11 anos de idade, é também uma das vÁ¡rias crianças que em Moçambique estão afectadas pelo vÁrus do HIV/SIDA. Ela não é necessariamente seropositiva mas sofre as consequências da epidemia pela existência dessa doença na sua famÁlia. Ana vive apenas com a mãe, a dona CÁ¡tia, que estÁ¡ infectada. CÁ¡tia considera a sua filha Ana Júlio como o seu braço forte. Explica que a filha é que mensalmente se sujeita Á fila para o levantamento dos medicamentos da mãe no hospital, enquanto ela vai trabalhar para trazer algum sustento para casa.
A dona CÁ¡tia é empregada doméstica, mas desde que descobriu que era HIV positivo deixou de cozinhar tanto para si como para a famÁlia para quem trabalha, certamente, movida por algum tabú ou falta de informação sobre as formas de infecção pelo HIV.
Assim a menor Ana Júlio ficou a dona das panelas em casa de sua mãe, ao mesmo tempo que ela controla a Mãe, na toma regular dos medicamentos, logo, Ana cuida de si própria e da sua mãe, dona CÁ¡tia.
“Falar com a minha filha sobre essa doença não foi fÁ¡cil. Descobri que estava infectada hÁ¡ três anos. Ana Júlio é a minha única filha e a minha única famÁlia em Moçambique. Quando me separei do pai, ela ainda era bebé. Minha mãe faleceu hÁ¡ cinco anos e o meu único irmão vive na África do Sul.
Inicialmente teve medo de contar Á minha filha que estou com SIDA com o receio de ela me rejeitar, mas com o tempo, aprendi a confiar nela. Quando finalmente decidi revelar o meu estado, surpreendi-me com o seu apoio incondicional” – conta CÁ¡tia.
Para a socióloga Elena Colonna, existem famÁlias que preferem informar a criança que é seropositiva e outras que preferem ocultar, justificando a medicação diÁ¡ria a outras vÁ¡rias doenças ou mesmo fazendo os antirretrovirais passar por vitaminas. E aqui hÁ¡ que considerar também a questão da discriminação pela comunidade das pessoas que vivem com o HIV/SIDA.
Colonna diz que a decisão de informar a criança sobre o seu estado de saúde depende da avaliação dos pros e dos contra que os pais ou responsÁ¡veis da mesma fazem em relação as vantagens ou desvantagem que lhe possam afectar.
As pessoas com HIV/SIDA geralmente se deparam com a rejeição social ou até mesmo das pessoas mais próximas como amigos e familiares. Muitas vezes o estigma e a discriminação têm levado as pessoas infectadas e afectadas a perder os seus empregos, suas relaçÁµes amorosas até mesmo serem expulsas do meio social em que vivem.
“A maioria das pessoas não entendem que os doentes precisam de apoio e carinho para que possam ter uma boa qualidade de vida. JÁ¡ tentei contar para uma minha amiga sobre a doença da minha mãe. Ela começou a dizer que eu também estava doente como minha mãe. Disse que não queria brincar mais comigo pois eu tinha uma doença mortal e contagiosa. Eu e minha mãe sempre vivemos em casas arrendadas. Quando as pessoas começam a falar mal de nós por causa da doença, somos obrigados a mudar de bairro imediatamente” – conta Ana Júlio.
CÁ¡tia afirma que o maior problema das pessoas infectadas e afectadas é a discriminação e o estigma.
“Felizmente tenho o apoio da minha famÁlia e do pai da minha filha. Tenho medo de contar Á s demais pessoas pois não sei qual serÁ¡ a sua reacção. Tenho acompanhado casos de pessoas infectadas e/ou afectadas que são expulsas dos bairros ou até mesmo rejeitadas pelos seus parceiros ou parceiras. Não quero passar por essas coisas. E nem quero que a minha filha seja proibida de brincar com as crianças do bairro” – desabafa a dona Paula, mãe da Lúcia, tal como a mãe também infectada.
Este artigo é parte do Serviço de Noticias da Série Especial da Gender Links alusivo aos Dezasseis Dias de Activismo série especial. Trazendo-lhe novas ideias sobre notÁcias do dia-a-dia.
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