Desporto como factor de promoção da igualdade do género


Date: December 31, 2012
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Maputo, 31 de Dezembro de 2012 – As vitórias internacionais do bÁ¡squete feminino moçambicano colocam o desporto, o jornalismo, a sociedade e a polÁ­tica doméstica perante um desafio: o da equidade ou se quisermos da justiça de género.

O basquetebol feminino é de longe a disciplina olÁ­mpica colectiva que mais vezes prestigiou o nome de Moçambique a nÁ­vel internacional. Com a recente conquista pela Liga Muçulmana de Maputo da Taça dos Clubes CampeÁµes Africanos, Moçambique tornou-se o recordista do Continente em tÁ­tulos de clubes seniores femininos, com cinco taças conquistadas contra quatro do gigante Senegal.

Em Abidjan (Costa do Marfim), onde a Liga conquistou a prova, a experiente poste a evoluir no basquetebol profissional europeu, Clarisse Machanguana, confirmou a sua condição de reforço especial da Liga na fase final e foi eleita a Melhor Jogadora do Torneio. Clarisse foi ainda escolhida para o Cinco Ideal da prova, junto com as suas colegas Leia Dongue e Deolinda Ngulela. A base armadora Deolinda tornou-se recordista de campeonatos, ao levantar a sua terceira taça dos campeÁµes e por três equipas moçambicanas diferentes.

Uma ocasião, vamos lÁ¡ ser oportunistas, para colocar o bÁ¡squete na agenda do género em Moçambique.

Clarisse Machanguana, aos 39 anos, é profissional de bÁ¡squete hÁ¡ pelo menos 20 anos, actuando e vivendo fora de Moçambique hÁ¡ duas décadas, entre os Estados Unidos e a Europa À“ logo, longe da terra e da famÁ­lia À“ e é mãe de duas crianças.

Jogadoras de bÁ¡squete a tempo parcial, trabalhadoras e mães também o são na equipa da Liga: Rute Muianga, Deolinda Gimo e Valerdina Manhonga.

O preconceito masculino generalizado que contamina igualmente a mente jornalÁ­stica moçambicana, encontra expediente fÁ¡cil para o sucesso destas mulheres no desempenho desses múltiplos papéis sociais na excusa de que elas não passam de supermulheres.

Tal atribuição pretende (podemos aqui traduzir de forma corrupta o to pretend – “fingirÀ em inglês) colocÁ¡-las num pedestal de especiais, estereotipando aliÁ¡s uma visão que ainda é dominante À“ não necessariamente maioritÁ¡ria À“ na nossa sociedade de que mulher com profissão ou ocupação profissional de elevada responsabilidade, visibilidade e elevado esforço fÁ­sico e intelectual, ou mulher de múltiplas ocupaçÁµes e desligada do papel social de dona-de-casa ou doméstica só pode ser supermulher, ou seja uma mulher “não-normalÀ.

Recuemos um pouco ao passado recente do desporto moçambicano. Para além da chamada geração de ouro do bÁ¡squete, quem elevava ao mais alto nÁ­vel do desporto mundial o nome de Moçambique? A “meninaÀ de ouro, Maria de Lurdes Mutola. Como é que as qualidades futebolÁ­sticas e atléticas de Lurdes Mutola eram consideradas, desde o seu berço quando jogava com os rapazes até o ponto de ser colocada a jogar nas equipas juvenis do Águia d ´Ouro? Maria-rapaz!

Sem pretender generalizar, amiúde patrÁ­cios, incrédulos com as façanhas mundiais de Lurdes Mutola, justificavam-no simplesmente apanhados na “inércia do preconceitoÀ: é homem “aquelaliÀ, você não vê os músculos dela?

Com o bÁ¡squete é também assim, nos habituamos a glorificar os feitos das nossas basquetebolistas com os “Bravo, Meninas!À, “Obrigado, Meninas!À À“ um, dia desses, no âmbito desta agenda de género, temos de debater também esta designação de “meninasÀ atribuÁ­da a desportistas maiores de idade. Todavia, jornalisticamente e desportivamente masculinizados, voltamos no dia seguinte ao “normalÀ e investimos mais nas competiçÁµes de masculinos, desencorajamos a existência de treinadoras no bÁ¡squete feminino de alta competição e continuamos a dedicar maior e prioritÁ¡ria cobertura ao bÁ¡squete masculino.

As nossas basquetebolistas, algumas mães (solteiras, vivendo maritalmente ou casadas, isso não importa), muitas profissionais em outros ramos para além da sua dedicação horas a fio ao bÁ¡squete, são verdadeiras campeãs de como se a ganha a bandeira da equidade do género e sabem muito bem o que custa a liberdade de serem desportistas, profissionais e mães.

Quero com isto, disputar a atribuição preconceituosa de supermulher a basquetebolistas como Ana FlÁ¡via Azinheira (que um dia chegou a ser treinadora da equipa sénior feminina da Universidade Politécnica, contra todas as ortodoxias), Diara Dessai (que para Quelimane se transferiu seguindo seu esposo e se afirmou como treinadora ao ponto de granjear respeito em Maputo por comandar uma equipa de juniores femininos em campeonatos nacionais), Zinóbia Machanguana (que, para além de profissional na Á¡rea de desenvolvimento social, não deixou de jogar bÁ¡squete só porque foi mãe duas vezes).

Em simultâneo, rendo-me a elas pela jogo de superação quotidiana que as leva a vencerem barreiras familiares, societÁ¡rias, profissionais, relacionais, desafiando todas as ortodoxias machistas enraizadas mas não eternizadas em Moçambique.

Concordo com a cantora americana Kharyn White quando cantou I ´m Not A Superwoman (Não Sou Uma Super Mulher). Sou contra todas as ortodoxias que procuram deusificar os feitos de um grupo de mulheres moçambicanas, atribuindo-lhes qualidades especiais, como se de uma excepção elas se tratassem, somente para manter o “status quoÀ de que é anormal a mulher evidenciar-se em tantos domÁ­nios.      

Sem respostas e sem ideias conclusivas, deixo as seguintes questÁµes com desafios da equidade e justiça de género para o próprio desporto e para o jornalismo: por que não temos treinadoras em equipas seniores femininas? Por que não se investe prioritÁ¡ria e maioritariamente, a nÁ­vel interno, no bÁ¡squete feminino? Por que as coberturas jornalÁ­sticas, das secçÁµes desportivas, dão mais espaço e tempo ao bÁ¡squete masculino do que ao feminino?

Milton Machel é jornalista investigativo freelancer, oficiando como Especialista de MÁ­dia Para Capacitação Profissional no Programa Para Fortalecimento da MÁ­dia em Moçambique na IREX e ex-jornalista desportivo. Este artigo faz parte do Serviço Lusófono de Opinião e ComentÁ¡rio da Gender Links


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