Moçambique: A mudança tem um preço


Date: September 18, 2012
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Nampula (Moçambique), 18 de Setembro de 2012 À“ As mudanças sociais são uma realidade social no sentido de que ocorrem como produto de tensÁµes sociais. O que nós podemos fazer é saber lidar com as tensÁµes que as mudanças encerram, como acabou aprendendo Momade Amisse.

Amisse é um jovem de 32 anos, casado hÁ¡ nove anos. Conheci-o em Nampula, onde encontrava-me a moderar uma palestra sobre masculinidade e violência. A sala estava repleta de homens e mulheres, na sua maioria jovens estudantes. O debate começou com os jovens a relatarem as experiências relacionadas com a masculinidade e violência que ocorrem em Nampula de forma geral.

Porém, Amisse quebrou essa tendência falando especificamente da sua própria experiência. Primeiro contou aos presentes que era um telespectador assÁ­duo do programa “Homem que é HomemÀ, um programa transmitido pela Televisão de Moçambique abordando vÁ¡rias questÁµes sobre género, masculinidade e a sua relação com a violência numa abordagem de homem para homem.

Num dos programas Amisse aprendeu que ser homem não significa que não se possa engajar em tarefas domésticas, o que o deixou sensibilizado. Foi nesse sentido que decidiu implementar algumas mudanças no seu relacionamento visto ter-se apercebido que ela ficava sobrecarregada com afazeres domésticos, passando também a fazer algum trabalho doméstico.

No entanto, ele estava longe de saber o que seguir-se-Á­a depois. “Fiz limpezas no meu quintal e agora estou em problemas!À A sala gelou mas depois os participantes simpatizaram-se com ele. Porque o seu depoimento despertou-me certo interesse, propus-lhe uma conversa a dois quando a palestra terminou.

Sentamo-nos a tomar um chÁ¡ num dos cafés da cidade, e ele mais relaxado, aberto e franco contou-me o que acontecera. Amisse disse que um dia acordou cedo e teve a ideia de fazer uma surpresa para agradar a mulher. Pegou no ancinho e começou a fazer a limpeza do seu quintal.

Quando a esposa o viu a limpar o quintal, reagiu imediatamente, dizendo: “Amisse, o que estÁ¡s a fazer? Queres-me dar problemas com a tua mãe? Desde quando pegas no ancinho para varrer aqui em casa?À

“Não meu amor, nós homens podemos varrer o quintal e quanto a mamã, não te preocupes que eu falarei com ela e vai entender,À respondeu.
Assim Amisse passou a fazer as limpezas no seu quintal mesmo sem o consentimento total da esposa. Segundo ele, ganhou o gosto de realizar esta tarefa e passou inclusivemente a engomar as roupas que eram lavadas pela esposa. Disse ainda que descobriu um dom que estava escondido dentro de si e aquelas actividades o deixavam muito bem-disposto para enfrentar o dia como se de uma terapia se tratasse, e a esposa também habituou-se com a ideia embora com algumas reservas.

Mas uma semana antes da palestra a sua mãe veio visitar o casal para passar o final de semana.
Na manhã seguinte, Amisse acordou cedo e como de costume, pôs-se a fazer a limpeza do quintal. A reacção da mãe não tardou.

Ela foi directamente Á  cozinha confrontar a nora que preparava o pequeno-almoço e a perguntou: “EstÁ¡s doente?À E como a nora respondesse em negativa, continuou, “Então porque o Amisse estÁ¡ a varrer o quintal? Afinal quem é mulher de quem aqui?À

A nora tentou em vão explicar a sogra que cada vez mais se exaltava, tendo o barulho chegado aos ouvidos de Amisse que se abeirou das duas para saber de que se tratava. A sua esposa perguntou-o desesperadamente: “É esta a armadilha que estavas a preparar para mim, Amisse? JÁ¡ conseguiste colocar a tua mãe contra mimÀ.

Amisse tentou explica Á  mãe que limpava o quintal por livre vontade, e de que não havia nada de errado em que um homem participasse dos trabalhos domésticos. Mas ela não quis compreender o seu argumento. Até ao dia da palestra ainda continuavam desavindos, tendo, ao se aperceber da palestra, decidido procurar ajuda publicamente.

Depois da nossa conversa, Amisse disse que se sentia bem aliviado e confiante de que o diferendo triangular resolver-se-Á­a eventualmente.

Este problema remete-me ao seguinte: as expectativas da sociedade em relação aos papeis de homens e mulheres tem sido acompanhadas por elevados custos penalizadores tanto para os homens assim como para as mulheres. A sociedade pouco tem reflectido sobre estes custos. Se olharmos para o exemplo da famÁ­lia de Amisse, vimos que a mesma procurou em nome da tradição/cultura reforçar e reproduzir esses papéis de forma quase que cega.

Não cabe somente ao Amisse, a esposa ou mesmo a mãe dele reflectirem sobre os papéis atribuÁ­dos aos homens e as mulheres pela sociedade para perceberem até que ponto estes reforçam as desigualdades; até que ponto esta forma de ser e de estar dos homens e das mulheres tem sido benéfica e ou nociva a eles e a elas,; cabe Á  toda a sociedade moçambicana a todos os nÁ­veis.

É importante também que a sociedade perceba que os papéis por ela construÁ­dos que moldam os homens e as mulheres são possÁ­veis de serem desconstruÁ­dos e a partir daÁ­, podem-se construir novos homens e mulheres que pensam e agem de forma mais igualitÁ¡ria no que respeit aos direitos humanos.

Gilberto MacuÁ¡cua é um activista dos Direitos Humanos. Este artigo faz parte do Serviço Lusófono da Gender Links


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