Moçambique: Celebrar o dia da paz de barriga vazia: fome ameaça ou não Á  paz?


Date: October 31, 2012
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Maputo, 29 de Outubro de 2012 À“ Enquanto a nÁ­vel oficial os moçambicanos se juntavam para celebrar 20 anos de paz, o dia 4 de Outubro parece ter passado despercebido para muitos. Julgando pelos dados estatÁ­sticos sobre a pobreza no paÁ­s, é possÁ­vel arriscar o argumento de que muitos passaram o dia de barriga vazia.

O Secretariado Técnico de Segurança Alimentar (SETSAN), citado pelo Programa das NaçÁµes Unidas para a Alimentação (PMA) em Moçambique, a fome tem estado a afectar milhares de pessoas durante este ano. Segundo a representante do PMA em Moçambique, Lola Castro, 24 por cento da população moçambicana À“ cerca de seis milhÁµes de pessoas À“ sofreram algum tipo de segurança alimentar ao longo do ano.

Evidentemente, parte considerÁ¡vel dessas vÁ­timas de segurança alimentar são mulheres e crianças. Mulheres porque, além de constituÁ­rem cerca de 52 por cento da população moçambicana, elas são as principais responsÁ¡veis pela produção de comida e pela gestão e preparação de alimentos para a famÁ­lia. AliÁ¡s, o Plano Estratégico de Desenvolvimento do Sector AgrÁ¡rio (PEDSA) indica que as mulheres desempenham um papel chave na segurança alimentar e nutricional e na economia familiar, jÁ¡ que, 60/80 por cento delas nos paÁ­ses em desenvolvimento À“ incluindo Moçambique À“ participam na produção agrÁ­cola e pecuÁ¡ria bem como na conservação, transformação, armazenamento e comercialização dos alimentos, e são as únicas responsÁ¡veis pela nutrição do agregado familiar.

Por seu lado, as crianças À“ que representam cerca de metade da população moçambicana À“ são vulnerÁ¡veis devido Á  sua forte dependência (natural) pelos pais, sobretudo da mãe, que é quem coloca a comida Á  mesa.  

Em Moçambique, a fome resulta, em parte, da seca que nos últimos anos tem sido recorrente devido as mudanças climÁ¡ticas, agravado pelo facto de que a agricultura moçambicana é fortemente dependente da chuva. Este ano, por exemplo, as regiÁµes sul e centro não registam chuvas desde os primeiros meses, tendo a seca devastado culturas alimentares de milhares de camponeses responsÁ¡veis pela produção de comida no paÁ­s

Nos últimos dias, um dos debates acesos no mundo é sobre a possÁ­vel ameaça imposta Á  paz pelas mudanças climÁ¡ticas. Em Julho último, o oficial sénior do Programa do Meio Ambiente das NaçÁµes Unidas, Achim Steiner, advertiu que as mudanças climÁ¡ticas constituÁ­am uma ameaça Á  paz. Alguns membros do Conselho de Segurança das NaçÁµes Unidas recusaram a proposta de colocação das implicaçÁµes das mudanças climÁ¡ticas na agenda deste órgão. Contudo, o órgão acabou adoptando um texto que se refere a “possÁ­veis implicaçÁµes de segurançaÀ das mudanças climÁ¡ticas.

Todavia, uma pesquisa sobre “Guerra civil, mudanças climÁ¡ticas e desenvolvimento: um estudo do cenÁ¡rio da África SubsaharianaÀ do Instituto de Investigação Económica e Social (ESRI) de Dublin, no âmbito da elaboração de módulo de estudos dessa Á¡rea, apresenta possibilidades de ligação desses fenómenos. De acordo com a pesquisa, se por um lado o crescimento económico reduz a probabilidade de guerra civil e a vulnerabilidade em relação as mudanças climÁ¡ticas, por outro lado, as mudanças climÁ¡ticas aumentam a possibilidade de guerras; e os impactos das mudanças climÁ¡ticas e das guerras nos paÁ­ses vizinhos reduzem o crescimento económico.

Uma outra pesquisa, desta feita do presidente do Instituto bengali de Estudos de Paz e Segurança, A.N.M. Muniruzzaman, faz referência a diversos fenómenos climÁ¡ticos que podem concorrer para a ameaça da paz. Muniruzzaman, que também é membro do Conselho Consultivo Militar sobre as Mudanças ClimÁ¡ticas, alerta que as maiores formas de vulnerabilidade resultantes de ameaças do clima incluem deslocamentos humanos, escassez de Á¡gua potÁ¡vel, redução da produtividade agrÁ­cola e insegurança alimentar, perdas na pecuÁ¡ria, ameaças a saúde, crise energética e segurança de desastres.

Contudo, mesmo ao nÁ­vel global esse debate ainda é fraco, mas os crÁ­ticos consideram-no oportuno jÁ¡ que as actuais projecçÁµes das mudanças climÁ¡ticas são muito pacÁ­ficas. Em Moçambique, o debate sobre as possÁ­veis implicaçÁµes das mudanças climÁ¡ticas para a paz ainda é inexistente ou incipiente, mas tanto a paz como as mudanças climÁ¡ticas são uma realidade no paÁ­s. Por isso, é importante a abordagem das questÁµes de mudanças climÁ¡ticas nas estratégias de manutenção da paz, como forma de consolidar ainda mais esta conquista, que torna o paÁ­s num grande exemplo ao nÁ­vel do mundo onde a assinatura de um acordo de paz significou o fim imediato de disparos entre as partes antes envolvidas na guerra.

O falhanço na abordagem dessas questÁµes e com o exacerbamento dos problemas ambientais podem agravar a vulnerabilidade da mulher e criança, sobretudo com a eclosão de possÁ­veis conflitos.

Esse debate torna-se premente porque o paÁ­s é assolado por praticamente todos tipos de desastres ambientais, incluindo a seca, desertificação, erosão, salinidade dos solos, entre outros que não só tem impacto na redução da produção e produtividade agrÁ­colas, mas também têm grandes possibilidades de resultar em diversos tipos de conflitos bem como em deslocamentos humanos, originando refugiados ambientais.

Ao celebrarmos a passagem de 20 anos de paz, temos que reflectir sobre como encontrar formas de acabar com a fome e lutar contra as mudanças climÁ¡ticas, de modo a que um dia não virem factores de instabilidade polÁ­tica e social.

Mahamud Matsinhe é um repórter da Agência de Informação de Moçambique (AIM). Este artigo faz parte do Serviço Lusófono da Gender Links.


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