Moçambique: Falta uma dimensão do género das cheias?


Date: February 12, 2013
  • SHARE:

Normal 0 false false false EN-US X-NONE X-NONE MicrosoftInternetExplorer4

Maputo, 31 de Janeiro de 2013 À“ As chuvas que caem desde o inÁ­cio do ano em todo o paÁ­s jÁ¡ fizeram mais de 40 mortos, destruÁ­ram milhares de hectares de culturas diversas, destruÁ­ram infraestruturas, principalmente salas de aulas e estradas, e afectaram mais de 80.000 pessoas.

O Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC) criou vÁ¡rios centros de acolhimento nas zonas afectadas pelas cheias, sendo que a prioridade é dada Á s mulheres, crianças, idosos e doentes.

A avaliação preliminar que o governo moçambicano e a Organização das NaçÁµes Unidas fizeram indica que serão precisos 15 milhÁµes de dólares para operacionalizar a operação humanitÁ¡ria resultante das cheias no paÁ­s.

Mas nem todos os beneficiÁ¡rios estão felizes com a ajuda. As reclamaçÁµes surgem dos centros de acolhimento. Por exemplo, as mais de 80 famÁ­lias acomodadas no centro montado na Escola SecundÁ¡ria Força do Povo, na cidade de Maputo, queixam-se das condiçÁµes que julgam deplorÁ¡veis que encontraram o centro. São famÁ­lias que apenas recebem uma refeição por dia, que a consideram insuficiente, isto é, arroz sem carril.

Alguns dos centros não invariavelmente salas de aulas que não oferecem privacidade alguma. E é aqui onde pode acontecer um drama que amiúde paira debaixo do radar da comunicação social e organizaçÁµes humanitÁ¡rias. É que vÁ¡rios estudos indicam que as calamidades naturais afectam os homens e mulheres de forma diferente porque a vulnerabilidade Á s calamidades encerra consigo uma dimensão do género.

Portanto, os desafios que confrontam os homens e mulheres durante uma calamidade são diferentes porque os seus papéis na sociedade foram construÁ­dos diferentemente. As mulheres e crianças são mais vulnerÁ¡veis aos desastres por causa dessa construção social – é verdade que as pessoas são também afectadas em função do seu estatuto sócio-económico, poucas escolhas e pouco acesso aos recursos.

A pergunta então é como é que as autoridades moçambicanas e a indústria de ajuda estão a lidar com esta questão do género. SerÁ¡ que hÁ¡ condiçÁµes de privacidade para mulheres e raparigas nos centros de acomodação? SerÁ¡ que se estÁ¡ a ter em conta os provÁ¡veis casos de violência baseada no género que podem ocorrer nesses lugares e se hÁ¡ jÁ¡ medidas de prevenção?

Ademais, talvez um dos maiores riscos que as mulheres e raparigas correm é de no acto de violação sexual poder contrair infecçÁµes de transmissão sexual e mesmo o vÁ­rus do HIV.

E reparando para a luta titânica que ocorre no processo de distribuição de alimentos, nota-se claramente que os homens dominam o processo. Invariavelmente são os homens a distribuir e através do uso da força são os homens que conseguem obter alimentos. Suponhamos que haja famÁ­lias onde as mulheres e raparigas são chefes de famÁ­lia; obviamente que ao não conseguirem “lutarÀ com os homens podem ficar mais vulnerÁ¡veis Á  possÁ­veis casos de assédio sexual.

Pode-se argumentar que falar do género durante o auge das cheias e sem muitos recursos para o acolhimento de vÁ¡rias pessoas nesses campos é um discurso quixótico. Mas se não nos atermos a essas questÁµes com a frontalidade que se requer, corremos o risco de piscar o olho Á  violência sob a justificação de que não hÁ¡ tempo para se planear a ajuda com base em questÁµes do género.

Se esse for o caso, por que é que o paÁ­s assinou diversos instrumentos   internacionais, continentais e regionais que encorajam Moçambique a incorporar questÁµes de género nos processos de planeamento? Portanto, mais do que fazer parte de vÁ¡rios protocolos e outros documentos legais, é preciso que as recomendaçÁµes e provisÁµes desses instrumentos sejam postas em prÁ¡ticas.

Julgando pelas notÁ­cias que nos chegam, a questão da diferenciação das necessidades entre homens e mulheres ainda não estÁ¡ a ser considerada com a devida urgência. Por exemplo, homens, mulheres e crianças usam a mesma infraestrutura sanitÁ¡ria. Este é um erro e pode dar origem a casos de violência baseada no género.

É verdade que as coisas acontecem de forma rÁ¡pida no auge de uma calamidade natural, mas isso não isenta o governo e agências humanitÁ¡rias de prestarem atenção Á s preocupaçÁµes do género. Os programas de gestão de calamidades devem incluir a perspectiva do género sob risco de se continuar a perpetuar a actual estrutura patriarcal que marginaliza o acesso de mulheres aos recursos.

A ajuda é canalizada para todas as Á¡reas afectadas, mas a distribuição depende das actuais estruturas que são patriarcais, com consequências imediatas sobre mulheres e crianças.

Mais importante ainda, é educar os agentes humanitÁ¡rios de que as necessidades de homens, mulheres e crianças são diferentes, e que o impacto das calamidades em cada um destes grupos é diferente, de modo a que quando estão no terreno, tomem isso em conta.

Este artigo faz parte do Serviço Lusófono de Opinião e ComentÁ¡rio da Gender Links

 


Comment on Moçambique: Falta uma dimensão do género das cheias?

Your email address will not be published. Required fields are marked *