Moçambique: HeroÁ­nas, procuram-se


Date: February 12, 2013
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Maputo, 12 de Fevereiro de 2013 – As histórias dos povos estão repletas de actos de bravura, coragem e heroÁ­smo. Porém, quase que invariavelmente os heróis são escritos no género masculino, isto é, são poucas as estórias de heroÁ­nas.

Moçambique celebrou no dia 3 de Fevereiro mas um dia alusivo aos heróis moçambicanos. Como de costume a nação foi Á  Praça dos Heróis depositar uma coroa de flores. Recordemo-nos de que estão depositados na cripta da Praça dos Heróis os restos mortais dos que a historiografia moçambicana designou de heróis.

Até parece que a escolha de quem deve entrar na cripta obedece Á  uma lógica patriarcal À“ apenas uma mulher é que conseguiu entrar na cripta; Josina Machel. Se a lógica inicial da designação de heróis respondia ao facto de todos terem estado envolvidos na Guerra de Libertação, pode questionar-se se não houve mulheres que tombaram no perÁ­odo da luta armada. Se a resposta for sim, como é que os seus restos mortais não foram parar na cripta?

Sem dúvidas que o heroÁ­smo estÁ¡ nos olhos de quem vê. E os olhos de quem escolheu e tem escolhido os nossos heróis até Á  data são de homens. Obviamente que alguém determinou critérios de designação de herói nacional, mas temos que perceber que provavelmente vÁ¡rios factores influenciaram as suas escolhas, não menos importante o modelo patriarcal.

Interessa-me olhar para como o factor modelo patriarcal poderÁ¡ e pode continuar a influenciar os critérios de escolha de heróis. Primeiro, o campo do combate foi sempre considerado par excellence um local dos homens. As mulheres apenas aparecem a desempenhar um papel secundÁ¡rio; carregar o armamento, alimentos e medicamentos, entre outros. Talvez por causa do seu papel secundÁ¡rio na guerra apenas uma fosse considerada para a cripta.

Segundo, na altura em que a guerra de libertação e a subsequente independência ocorreram o modelo patriarcal estava mais entranhado do que hoje. Na altura o discurso dos direitos humanos da mulher ainda não estava embrenhado no nosso ADN polÁ­tico, social e cultural. O que pressupÁµe que a designação de quem era herói apenas podia obedecer a lógica então existente.

Mas implicitamente esses critérios obedecem a uma lógica das relaçÁµes de poder entre os homens e mulheres que determina que o lugar da mulher é em casa, isto é, esfera privada. Sendo que, o lugar do homem é na esfera pública. Portanto, quase nada do que acontece na esfera privada configura heroicidade.  

Se a esfera pública é do domÁ­nio do homem, para que uma mulher seja distinguida terÁ¡ que ter feitos muito mais extraordinÁ¡rios do que os de um homem. Ela não vai conseguir sobressair fazendo o extraordinÁ¡rio. Para vincar esta posição, Charlotte Whitton, presidente do municÁ­pio de Ottawa, CanadÁ¡, entre 1951-1956 e 1960-1964, disse uma vez que “espera-se que as mulheres façam duas vezes mais do que os homens, para obterem metade do mérito.À A meu ver, é injustiça exigir-se que a mulher faça o dobro do que o homem faz.

Pode ser essa lógica que deixa a sociedade cega de tal sorte que as acçÁµes extraordinÁ¡rias das mulheres não recebem o devido reconhecimento. Portanto, parece haver uma cegueira colectiva aos feitos extraordinÁ¡rios das mulheres, fazendo com que poucas mulheres sejam distinguidas aos mais altos nÁ­veis nas suas sociedades.

DaÁ­ que, enquanto as actuais estruturas patriarcais se mantiverem, vai ser difÁ­cil que os feitos extraordinÁ¡rios das nossas heroÁ­nas sejam finalmente reconhecidos. E como sociedade, temos que continuar a trabalhar na promoção da igualdade e justiça do género.

Essa poderÁ¡ uma das vias que poderÁ¡ remover as escamas que cobrem-nos a visão de modo a que possamos finalmente saber honrar as nossas heroÁ­nas. Este serÁ¡ tão-somente o reconhecimento tÁ¡cito e inequÁ­voco de que as nossas lutas de libertação não foram apenas feitas pelos homens; elas foram feitas por homens e mulheres e lado a lado.

O reconhecimento de que o nosso progresso como naçÁµes é feito por homens e mulheres sem discriminação devia ser um imperativo nacional. Negar este reconhecimento é continuar a escolher o modelo patriarcal, parodiando assim todos os cometimentos internacionais, continentais e regionais de luta pela promoção da igualdade e equidade do género.

Bayano Valy é o Editor do Serviço Lusófono da Gender Links. Este artigo faz parte do Serviço Lusófono de Opinião e ComentÁ¡rio da Gender Links


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