Moçambique: Mudanças climÁ¡ticas e acção humana afectam produção agrÁ­cola


Date: June 1, 2012
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Maputo, 31 de Maio de 2012 – A problemÁ¡tica das mudanças climÁ¡ticas globais tem vindo a ser debatida um pouco por todo o mundo, particularmente quanto Á s suas causas. Com efeito, e segundo o Painel Intergovernamental para as Mudanças ClimÁ¡ticas (IPCC), num relatório publicado em 2001, as causas das variaçÁµes climÁ¡ticas podem ser de ordem natural ou antropogénica, ou a soma das duas.

Segundo o referido relatório, estas causas constituirão, invariavelmente, num aumento da temperatura média global entre 1,4 C e 5,8 C até ao final do século XXI. Este aquecimento global poderÁ¡ trazer um cenÁ¡rio sombrio caracterizado por alteraçÁµes climÁ¡ticas extremas com secas, inundaçÁµes e ondas de calor cada vez mais frequentes.

Esta elevação das temperaturas terÁ¡ um impacto muito profundo no continente africano, no geral, e em Moçambique, em particular. Prevê-se que espécies significativas de plantas e animais poderão estar ameaçadas de extinção até ao ano de 2050.

No que tange especialmente Á  agricultura, as alteraçÁµes climÁ¡ticas poderão estar a ter um impacto desfavorÁ¡vel ao desenvolvimento vegetal, a tornar-se num dos maiores constrangimentos Á  agricultura de subsistência e a anular os esforços de combate Á  pobreza nessas regiÁµes.

A população camponesa de Beloluane, uma localidade do distrito de Boane, provÁ­ncia de Maputo, não foge Á  regra. Ao redor de um dos maiores empreendimentos industriais do paÁ­s, onde se situa a empresa de produção de alumÁ­nios MOZAL, hÁ¡ uma grande porção populacional que ali reside e que subsiste, na sua maior parte, da actividade agrÁ­cola.
HÁ¡ dias efectuei uma visita de trabalho Á quela zona e encontrei-me com um grupo de camponesas locais. A maior parte delas aparentava ter entre os 30 e os 50 anos de idade e encontravam-se, jÁ¡ quase ia para o meio-dia, a arrumarem o que conseguiram colher (folhas de abóbora e alguns arbustos para servirem de lenha). Joaquina era uma delas. De cerca de 35 anos, disse-me que cultivava a terra desde criança e sempre naquela zona.

Segundo o seu testemunho, antes da implantação da Mozal aquela era uma zona fértil e relativamente extensa, onde todos tinham espaço para fazerem as suas machambas. Entretanto, a população cresceu e a implantação da fÁ¡brica roubou-lhes espaço. Hoje deparam-se com conflitos de acesso aos espaços considerados mais férteis.
Questionada sobre a produção que conseguia obter da sua parcela de cultivo, ela foi perremptória: quase nada. A machamba servia-lhe apenas para cultivar mandioca, abóbora, milho e amendoim.

Confidenciou-me que houve tempos em que conseguia obter milho e amendoim suficiente para todo o ano, facto que nos últimos anos vem se tornado uma miragem. Como justificação, adiantou-nos que a implantação da MOZAL na zona foi determinante, embora também admitisse que “a terra encontrava-se cansada”.

Segundo a Joaquina, uma parte significativa daquelas terras foram ficando impraticÁ¡veis para a agricultura devido Á  poluição atmosférica da fÁ¡brica, embora os seus representantes o rejeitem.

Uma vez que a sua famÁ­lia depende largamente do que sai da machamba para o caril (folhas de mandioca ou de abóbora) e para obter lenha para confeccionar os alimentos, Joaquina não pode abandonar a actividade e sempre vai Á  sua machamba duas Á  três vezes por semana.
Guilhermina é uma outra camponesa que encontrei no local, de cerca de 50 anos de idade. Ela confidenciou-nos que ia mais Á  sua parcela de terra para buscar lenha do que para cultivar ou colher alimentos. Disse que de alguns anos para cÁ¡ as chuvas reduziram drasticamente, os solos tornaram-se secos e a vegetação local tem reduzido gradualmente.

Quando começou a conformar-se com a perda de capacidade produtiva das suas terras, Guilhermina deixou de se aplicar no cultivo e passou a concentrar-se mais na procura de lenha, muito para além da parcela de terra que lhe pertencia.

Ela contou que uma das principais causas era a fÁ¡brica ali instalada, que veio a alterar consideravelmente a produção agrÁ­cola normal, embora também assumisse que “as chuvas estavam cada vez mais imprevisÁ­veis e inconstantes”, como antigamente. Por consequência, até os alimentos que tradicionalmente obtinha da sua machamba tem hoje de comprar no mercado local, situação que é ainda mais dramÁ¡tica para as outras mulheres que vivem exclusivamente do que produzem e não têm, como ela, um marido com um trabalho formal.

Pareceu-me ser opinião geral daquelas camponesas que a sua cada vez mais baixa produtividade agrÁ­cola devesse-se mais ao impacto negativo da implantação da MOZAL naquela zona do que Á  causas próprias da natureza.
Tentei convencê-las a assumir que, se calhar, também fosse derivada da sua própria acção, visto que a maior parte delas admitiu que praticava regularmente queimadas como forma de preparar o solo.

Todas elas disseram-me que não recebiam e nem tinham conhecimento de algum incentivo ou apoio governamental para estimular a sua produção, em termos de insumos agrÁ­colas ou donativos alimentares, embora soubessem que a MOZAL tem levado a cabo um serviço de responsabilidade social semelhante.

Para aquelas mulheres, tal apoio é elitizado e localizado, não compreendendo os camponeses que vivessem fora do raio próximo da fÁ¡brica.

Edgar Barroso é um activista social. Este artigo faz parte do Serviço de Opinião e ComentÁ¡rio da Gender Links.


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