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HÁ¡ dias assisti a peça “Mother to Mother (De Mãe para Mãe)À que, de certa forma, obrigou-me a pensar sobre a relação entre pais e filhos. É que na peça, que retrata a vida duma mulher e seus três filhos durante a era do apartheid na África do Sul, hÁ¡ uma passagem em que uma mãe deplora o facto do seu filho ter crescido sem o seu pai.
É verdade que é peça não é sobre o facto do filho ter crescido sem o pai, mas sim o dilema duma mãe solteira que tem de lidar com as complexidades da vida, e ter que se abrir Á mãe duma moça assassinada pelo seu filho À“ o filho fazia parte duma turba de jovens irados que mataram uma jovem branca.
Porque a peça fez-me pensar? Não sei bem. SerÁ¡ porque o meu próprio pai não esteve presente durante uma fase da minha infância? SerÁ¡ porque quando regressou donde estivera, batia-me ao mÁnimo deslize comportamental do meu lado? SerÁ¡ porque ele sempre foi uma figura autoritÁ¡ria? SerÁ¡ porque é bÁgamo? Não sei. Só sei que eu e o meu pai temos uma relação complicada.
A verdade é que nunca consegui ter uma conversa de “homem a homemÀcom o meu pai. Invariavelmente, acabamos sempre desconversando. Torna-se difÁcil abrir-me com ele, tanto não seja porque penso que quer que eu arque o fardo das suas responsabilidades.
Recordo-me que quando meu pai impunha-me regras restritivas quando estava a crescer. Tinha que chegar Á casa antes das 19:00 todos os dias sob risco de levar porrada. Não podia ir Á s festas com os amigos mesmo quando atingi os 18 anos.
Todavia, comecei a rebelar-me. Mas paguei caro por isso. Porque meu pai batia-me cada vez que chegasse tarde, comecei a ficar mais tempo fora de casa. E cada vez que ele me batia, ia atrasando a hora de regressar. Talvez por estar cansado, um dia atirou-me uma faca enorme. Até hoje ainda nem sei como consegui esquivar.
Ao ver a peça, lembrei-me que hÁ¡ tempos que venho procastinando uma conversa séria que devo ter com o meu pai. Quero que seja uma conversa sem recriminaçÁµes. Tem que ser uma conversa em que cada um perceba as escolhas que cada um fez e porque as fez.
Penso que sem essa conversa, serÁ¡ difÁcil que consigamos conviver em paz um com o outro. Tenho em mim que os meus amigos têm consiguido relacionar-se bem com os seus pais porque estes deixam espaço para que se exprimam Á vontade.
Na minha idade de adulto, reconheço que as relaçÁµes só podem ser fortes se ambos os intervenientes se abrirem e falarem honestamente. Eu gostaria de ter uma relacionamento forte com ele, em que pudesse contÁ¡-lo das minhas alegrias, tristezas e frustraçÁµes como conto aos meus amigos mais chegados.
Eu fiz as minhas escolhas mas nunca as partilhei com ele. Como é que posso partilhar algo com alguém que nunca quis me ouvir? Como é que podemos dialogar se quando estamos juntos ouve-se apenas uma voz? A dele. É que quando ele começa a falar sem pausa, eu fecho-me e viajo para uma lugar bem longe dele.
A situação não pode continuar assim. Para tanto temos que confrontar o nosso passado. Ele tem de se aperceber que ambos somos dois adultos; as duas vozes devem aparecer e coexistir. Não podemos continuar como até agora: uma voz, uma verdade, ou uma autoridade.
Nunca é tarde falar a verdade. Cada um de nós pode falar honestamente sem necessariamente ficar vulnerÁ¡vel; cada um de nós tem de revelar a sua humanidade, e daÁ dar a maior expressão possÁvel do amor.
Não quero que um dia, se tiver filhos, os meus filhos me perguntem como foi o meu relacionamento com o meu pai e ter vergonha de contÁ¡-los. É preciso que cresçam a saber quem foi o avô. Não posso viver como se não tivesse tido um pai que também teve pai. HÁ¡ aspectos do seu legado que preciso passar para os meus filhos (eventualmente).
Não posso continuar a viver sem um contacto emocional com ele. Tanto mais não seja porque nenhum de nós estÁ¡ a ficar jovem. A idade não perdoa, como soi dizer. DaÁ que penso não ser tarde começarmos um relacionamento mais forte entre nós dois.
Finalmente, temos que encontrar a capacidade para nos amarmos incondicionalmente, admitirmos os nossos erros e evitar repitÁ-los. Mas isso começa com o abrir de espaços no nosso relacionamento para nos ouvirmos. Não posso continuar no mundo como se não tivesse um pai.
Bayano Valy é o Editor do Serviço Lusófono da Gender Links. Este artigo faz parte serviço especial do Serviço de Opinião e ComentÁ¡rio da Gender Links, celebrando Pais Fenomenais.
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