Moçambique: Para quando coveiras?


Date: August 15, 2012
  • SHARE:

Moçambique: Para quando coveiras?

MÁ¡rio Dinis

Maputo, 27 de Julho de 2012 À“ O espaço laboral foi desde o inÁ­cio visto como um espaço masculino. Porém, com o advento da Revolução Industrial as mulheres começam a “invadi-loÀ e a transformar por completo as relaçÁµes sociais.

Segue-se daÁ­ que a mulher começa a fazer trabalhos que antes se afiguravam ser da provÁ­ncia masculina À“ o único senão é que a empregabilidade da mulher era mais no sentido de se ter uma mão-de-obra barata visto que se pagava menos Á  mulher do que ao homem pelo mesmo trabalho, o que ainda se verifica, não sendo, por isso, uma questão de direito ao trabalho mas sim de conveniência, visando maximizar os lucros.

A “invasãoÀ desses espaços laborais considerados masculinos continua nos dias de hoje. E o debate em torno disto continua extremamente relevante Á  medida que se torna normal ver mulheres a trabalharem como pilotos de aviÁµes, motoristas de camiÁµes de longo curso, mecânicas de automóveis, entre outras profissÁµes.

Uma profissão que parece sofrer resistência é o da morte. Em Moçambique não se conhece a existência de coveiras, essas pessoas que depositam o ser humano na sua última morada. Uma resposta dada para a inexistência de coveiras é que existe trabalho para homens e trabalho especÁ­fico para mulheres. A implicação é de que o trabalho de enterrar pessoas não é para mulheres.

E as próprias mulheres parecem auto-excluÁ­rem-se desta profissão. Perguntei a algumas mulheres que fazem limpeza no cemitério do Lhanguene, bem como nas estradas da cidade de Maputo, o que achavam da profissão de coveira. Todas foram unânimes na sua resposta, dizendo que “não podemos conseguir exercer a profissão de coveira porque este trabalho é difÁ­cil, exige muita coragem, ser menos insensÁ­veis, exige muita habilidade e flexibilidade.À

“Também exige uma resistência na força muscular e nós não temos essas caracterÁ­sticas todas que mencionamos, as vezes ouvimos os próprios homens a se queixarem de cansaço, e para nós pior ainda,À disse Adelina Paulino.

Este pode ser um motivo bastante para se fechar o debate, mas é preciso recordar que muitas outras mulheres podem ter usado os mesmos argumentos para não fazer outros tipos de trabalho, como a pilotagem ou condução de grandes veÁ­culos À“ este tipo de pensamento pode ter a sua racionalidade no processo de socialização a que foram submetidas, em que foram ensinadas de que certas profissÁµes não eram para mulheres.

O facto de serem mulheres não significa que sejam incapazes de realizar determinadas tarefas. Elas possuem caracterÁ­sticas e traços de racionalidade como os homens, e podem ser capazes de abraçar qualquer profissão que um outro ser humano de sexo oposto realiza. Ademais, elas têm o direito de ter acesso Á  qualquer emprego desde que tenham qualificaçÁµes e disposição para tal.

No entanto, o Conselho Municipal parece não ter critérios claros quanto ao processo de recrutamento e encaminhamento de pessoal para este sector. HorÁ¡cio Facitela Malune, gestor da Á¡rea dos cemitérios no Conselho Municipal de Maputo, disse que talvez a principal razão porque não existem coveiras vem do perÁ­odo colonial. Na altura, por causa dos hÁ¡bitos e costumes prevalecentes nunca se cogitou que mulher alguma trabalhasse como coveira. Isso influenciou a própria cultura institucional e serviu para que as mulheres vissem a profissão de coveira como uma Á¡rea a não ir.

“E neste momento não temos mulheres a trabalhar como coveiras porque temos número suficiente de coveiros que iniciou as suas actividades desde tempo colonialÀ, disse. Mas este dado não parece ser ao de todo verdadeiro visto que hÁ¡ muitos jovens que hoje trabalham como coveiros nos vÁ¡rios cemitérios da cidade; não parece que estes tenham começado a exercer a profissão no perÁ­odo colonial.

Porém, parece haver alguma vontade da parte do municÁ­pio em quebrar essa lógica. “Nós queremos implementar essa polÁ­tica, e pretendemos quebrar este tabu, através do novo cemitério que vai funcionar no futuro não distante, em Michafutene. Teremos na primeira fase 20% de mulheres a trabalhar como coveiras e os restantes serão homensÀ.

Malune acrescentou que serão criadas todas as condiçÁµes necessÁ¡rias para o ingresso de mulheres coveiras, como é o caso de planos de saúde, acesso Á  psicólogos, entre outras.

Esta posição é de per si encorajadora na luta pela promoção da igualdade e equidade do género.

E as mulheres devem fazer uma auto-avaliação de modo a encarar todo tipo de trabalho como um desafio de vida. É preciso que tanto a sociedade como as próprias mulheres encarem a profissão de coveira como normal, e é também necessÁ¡rio que as instituiçÁµes do estado criem critérios claros para a sua admissão, e condiçÁµes que   beneficiam ou facilitam a sua integração na profissão.

MÁ¡rio Dinis é estudante universitÁ¡rio. Este artigo faz parte do Serviço de Opinião e ComentÁ¡rio da Gender Links


Comment on Moçambique: Para quando coveiras?

Your email address will not be published. Required fields are marked *