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Moçambique: Para quando coveiras?
MÁ¡rio Dinis
Maputo, 27 de Julho de 2012 À“ O espaço laboral foi desde o inÁcio visto como um espaço masculino. Porém, com o advento da Revolução Industrial as mulheres começam a “invadi-loÀ e a transformar por completo as relaçÁµes sociais.
Segue-se daÁ que a mulher começa a fazer trabalhos que antes se afiguravam ser da provÁncia masculina À“ o único senão é que a empregabilidade da mulher era mais no sentido de se ter uma mão-de-obra barata visto que se pagava menos Á mulher do que ao homem pelo mesmo trabalho, o que ainda se verifica, não sendo, por isso, uma questão de direito ao trabalho mas sim de conveniência, visando maximizar os lucros.
A “invasãoÀ desses espaços laborais considerados masculinos continua nos dias de hoje. E o debate em torno disto continua extremamente relevante Á medida que se torna normal ver mulheres a trabalharem como pilotos de aviÁµes, motoristas de camiÁµes de longo curso, mecânicas de automóveis, entre outras profissÁµes.
Uma profissão que parece sofrer resistência é o da morte. Em Moçambique não se conhece a existência de coveiras, essas pessoas que depositam o ser humano na sua última morada. Uma resposta dada para a inexistência de coveiras é que existe trabalho para homens e trabalho especÁfico para mulheres. A implicação é de que o trabalho de enterrar pessoas não é para mulheres.
E as próprias mulheres parecem auto-excluÁrem-se desta profissão. Perguntei a algumas mulheres que fazem limpeza no cemitério do Lhanguene, bem como nas estradas da cidade de Maputo, o que achavam da profissão de coveira. Todas foram unânimes na sua resposta, dizendo que “não podemos conseguir exercer a profissão de coveira porque este trabalho é difÁcil, exige muita coragem, ser menos insensÁveis, exige muita habilidade e flexibilidade.À
“Também exige uma resistência na força muscular e nós não temos essas caracterÁsticas todas que mencionamos, as vezes ouvimos os próprios homens a se queixarem de cansaço, e para nós pior ainda,À disse Adelina Paulino.
Este pode ser um motivo bastante para se fechar o debate, mas é preciso recordar que muitas outras mulheres podem ter usado os mesmos argumentos para não fazer outros tipos de trabalho, como a pilotagem ou condução de grandes veÁculos À“ este tipo de pensamento pode ter a sua racionalidade no processo de socialização a que foram submetidas, em que foram ensinadas de que certas profissÁµes não eram para mulheres.
O facto de serem mulheres não significa que sejam incapazes de realizar determinadas tarefas. Elas possuem caracterÁsticas e traços de racionalidade como os homens, e podem ser capazes de abraçar qualquer profissão que um outro ser humano de sexo oposto realiza. Ademais, elas têm o direito de ter acesso Á qualquer emprego desde que tenham qualificaçÁµes e disposição para tal.
No entanto, o Conselho Municipal parece não ter critérios claros quanto ao processo de recrutamento e encaminhamento de pessoal para este sector. HorÁ¡cio Facitela Malune, gestor da Á¡rea dos cemitérios no Conselho Municipal de Maputo, disse que talvez a principal razão porque não existem coveiras vem do perÁodo colonial. Na altura, por causa dos hÁ¡bitos e costumes prevalecentes nunca se cogitou que mulher alguma trabalhasse como coveira. Isso influenciou a própria cultura institucional e serviu para que as mulheres vissem a profissão de coveira como uma Á¡rea a não ir.
“E neste momento não temos mulheres a trabalhar como coveiras porque temos número suficiente de coveiros que iniciou as suas actividades desde tempo colonialÀ, disse. Mas este dado não parece ser ao de todo verdadeiro visto que hÁ¡ muitos jovens que hoje trabalham como coveiros nos vÁ¡rios cemitérios da cidade; não parece que estes tenham começado a exercer a profissão no perÁodo colonial.
Porém, parece haver alguma vontade da parte do municÁpio em quebrar essa lógica. “Nós queremos implementar essa polÁtica, e pretendemos quebrar este tabu, através do novo cemitério que vai funcionar no futuro não distante, em Michafutene. Teremos na primeira fase 20% de mulheres a trabalhar como coveiras e os restantes serão homensÀ.
Malune acrescentou que serão criadas todas as condiçÁµes necessÁ¡rias para o ingresso de mulheres coveiras, como é o caso de planos de saúde, acesso Á psicólogos, entre outras.
Esta posição é de per si encorajadora na luta pela promoção da igualdade e equidade do género.
E as mulheres devem fazer uma auto-avaliação de modo a encarar todo tipo de trabalho como um desafio de vida. É preciso que tanto a sociedade como as próprias mulheres encarem a profissão de coveira como normal, e é também necessÁ¡rio que as instituiçÁµes do estado criem critérios claros para a sua admissão, e condiçÁµes que beneficiam ou facilitam a sua integração na profissão.
MÁ¡rio Dinis é estudante universitÁ¡rio. Este artigo faz parte do Serviço de Opinião e ComentÁ¡rio da Gender Links
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