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Beira, 29 de Maio de 2012 – Sónia Macarringue* vive um dilema. Ela acaba de perder a sua machamba devido Á uma queimada descontrolada que começou na floresta. Para além do milho, abóbora e amendoim, Macarringue perdeu o seu rico tempo.
O dilema dela é também vivido por muitas mulheres rurais e não só. As queimadas descontroladas são seculares no paÁs. “Nas nossas comunidades, é uma tradição desbravar os solos, através de queimadas descontroladas, para a prÁ¡tica da agricultura, mas essa prÁ¡tica provoca enormes danos ambientais”, disse durante um encontro da Comunidade para o Desenvolvimento dos PaÁses da África Austral (SADC) a vice-ministra para a Coordenação da Acção Ambiental, Ana Chichava.
O Ministério da Agricultura (MINAG) estima que o prejuÁzo global causado por queimadas descontroladas em Moçambique foi de cerca de dois milhÁµes de dólares norte-americanos. O mesmo ministério também estima que o paÁs perde anualmente cerca de 219.000 hectares de florestas, o equivalente a mais de 405.500 campos de futebol.
As queimadas descontroladas são apontadas como sendo as grandes devastadoras do ambiente, contribuindo dessa forma para as mudanças climÁ¡ticas.
Moçambique possui um parque florestal com uma Á¡rea muito vasta, mas dados publicados em 2011 pela Direcção Nacional de terras e Florestas, prevê-se que num futuro mais próximo, as florestas virgens, diminuam a um ritmo relativamente acelerado, como resultado das queimadas descontroladas para fins agro-pecuÁ¡rios, caça furtiva e exploração florestal desordenada para a produção de madeira diversa, lenha, carvão e o estabelecimento de assentamentos populacionais.
Dados oficias do INE aponta para uma maioria da população feminina e camponesa. Ou por outra, a maior parte da população moçambicana é representada por mulheres que vivem na base da agricultura.
Portanto, as queimadas descontroladas afectam sobremaneira a vida das mulheres. Todos os anos morrem crianças e mulheres devido Á fogos ou queimadas descontroladas que nalgumas vezes são provocadas por caçadores de ratazanas e agricultores no acto de limpeza dos campos.
Infelizmente apesar da existência de estratégias, panos de acção e da educação ambiental que o sector do ambiente diz possuir e realizar, muitos são os hectares que são destruÁdo pelo fogo descontrolado todos os anos, afectando habitaçÁµes, celeiros e infra-estruturas públicas colocando em perigo a segurança alimentar e a segurança de pessoas e bens.
Uma pergunta me surge e acredito que o caro leitor também teria é o que esta a falhar? A concepção das mensagens educativas? As mensagens disseminadas? Os disseminadores das mensagens? A forma de transmissão das mensagens? O grupo alvo? Que estÁ¡ errado? Porque mesmo depois ver as consequências que o fogo traz, a população continua a queimar?
Segundo Carlos Serra Júnior, activista ambiental, o maior problema gerado pelas queimadas não é o fogo em si, mas a frequência e a intensidade com que ele é ateado nas florestas, razão por que o assunto das florestas deve ser visto como um problema do Estado e não apenas de um sector, no caso da Agricultura.
“O maior problema é que não tem havido pensamento integrado. Cada um trabalha com os olhos postos naquilo que lhe interessa. É preciso actuar depressa, porque os erros de hoje podem agravar os problemas da pobreza amanhã, uma vez que a floresta é a fonte da vida. Vamos ter de encontrar modelos adequados para endereçar a questão da educação ambiental, porque precisamos de assegurar que, ensinando boas prÁ¡ticas hoje Á s crianças, teremos amanhã jovens e adultos com uma postura diferente e mais favorÁ¡vel ao uso sustentÁ¡vel dos recursos”, disse Serra.
Como teremos aumento da produtividade dos solos e consequentemente a produção se a população continua a praticar queimadas descontroladas que consequentemente aceleram a degradação dos solos e como acima mencionei, atingem as reservas alimentares e de sementes?
Quando as queimadas descontroladas acontecem, muitas mulheres ficam directamente afectadas. A lenha fica cada vez mais longe; os animais para caça ficam cada vez mais distantes; os frutos frescos desaparecem; e no caso de atingir os campos jÁ¡ com plantas em fase de maturação é um trabalho todo reduzido a nada e, olhando para a tradição de algumas zonas do pais, por exemplo, no centro de Moçambique, ela, a mulher, é que vai trabalhar enquanto o marido bebe bebidas tradicionais com os amigos.
É a mulher que muitas vezes deve voltar a semear, fazer a sacha e colher os produtos. Ela deve procurar comida para os filhos menores.
Mais uma vez voltamos a questão de produção até a fase de implementação das polÁticas e estratégias. Muitas vezes nos preocupamos com os números a apresentar e não com os resultados no terreno.
O povo continua a queimar e a contrariar todos relatórios apresentados pelo governo contribuindo cada vez mais para vulnerabilidade da mulher. É importante que as reflexÁµes sobre os resultados do que se planifica como estratégias até a sua implementação sejam avaliados do ponto de vista de inclusão de mulheres inseridas nas comunidades para sua efectivação.
Porque fica claro que nalgum momento as comunidades não assumem o combate Á s queimadas descontroladas por apenas receberem mensagem e não serem consciencializadas sobre os seus perigos. Por outro lado o homem continua predominante como maior promotor das queimadas e a mulher continua submissa Á s situaçÁµes criadas pelo homem.
Espera-se que com uma das actividades previstas no Plano de Acção da Estratégia de Género e Mudanças ClimÁ¡ticas no sentido de capacitar a mulher em tecnologias para a transformação de zonas Á¡ridas e semi-Á¡ridas em zonas produtivas, cerca de 300.000 mulheres sejam dotadas de tecnologias para a maximização da produtividade dos solos e que haja um aumento da produção em 30% ao ano base (2010) em 300 localidades.
Talvez actividades como esta minimizem o dilema de Sónia Macarringue e demais mulheres.
*nome fictÁcio
Celina Henriques é jornalista freelance. Este artigo faz parte do Serviço de Opinião e ComentÁ¡rio da Gender Links
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