Moçambique: Respeito e assédio sexual institucionalizado


Date: September 30, 2012
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“A Paz não se faz com tolerância, se consegue com respeito.À (autor desconhecido)

Moçambique celebra no dia 4 de Outubro de 2012 20 anos de Paz desde a assinatura dos Acordos de Roma, em 1992, entre a Frelimo e a Renamo. O que significa a paz através do meu olhar feminino?

Sendo uma mulher e tendo sido educada numa sociedade matrilinear e, posteriormente, numa sociedade patrilinear, onde se ensina, acima de tudo, tolerância, sobretudo com os homens, fico muito preocupada nos últimos tempos quando me falam de tolerância. Entenda-se que nessa perspectiva a tolerância significa aturar, suportar.

Mas a minha experiência mostra que a fronteira entre tolerância e violência é tênue. É como se vivêssemos no limite. E parece que nos últimos tempos, no nosso Pais, vivemos no limite. Violam-se mulheres e crianças de todas as formas imaginÁ¡veis e inclusive as inimaginÁ¡veis. Mas devo sublinhar que em 20 anos de paz conseguimos de alguma forma obter leis e serviços de protecção contra todas formas de violência contra a mulher e a criança, embora subsistam dificuldades para a sua implementação.

Todos sabemos que a violência tem dimensÁµes psicológica, económica, polÁ­tica e intelectual. Dar um tiro e bater é uma forma de violência, como o é desqualificar e excluir. Diz-se muitas vezes que sabedoria da vida é um currÁ­culo que todos têm, mas, na ditadura das titulaçÁµes, muitos saberes são deixados a margem. Que o digam as secretÁ¡rias, garçonetes, faxineiras, trabalhadoras de clubes nocturno. Falo da violência institucional contra a mulher, aquela que apesar de ser muito pouco falada é muito saliente no Estado moçambicano – o assédio sexual institucionalizado, o que acontece nas diferentes instituiçÁµes; sejam elas do Estado ou privadas. Se és mulher e queres trabalhar, por mais competente que sejas, se não te envolves com o chefe, então imediatamente deixas de ser competente e passas a uma persona non-grata no local de trabalho, sobretudo diante daquele que intentou contra a tua integridade moral e dignidade humana.

Episódios hÁ¡ em todo o paÁ­s de situaçÁµes violentas resultantes do assédio sexual institucionalizado. Infelizmente, isto é algo que se considera normal e que ninguém quer falar, mesmo as mulheres vÁ­timas deste fenómeno matem o silencio com receio de perder os postos de trabalho e a manutenção dos benefÁ­cios que advêem do posto. Elas podem até ser realizadas do ponto de vista económico mas destruÁ­das do ponto de vista moral.

A violência é um estado fluido. Em minha opinião, é muito mais apropriado falarmos da palavra respeito com vista a respeitarmos o diferente, mesmo sem gostar dele. Melhor dizendo, temos de respeitar os direitos das pessoas em geral e, de forma especial, os direitos das mulheres e crianças, que no meu entender, ainda estão longe de alcançÁ¡-los. Respeitar a diversidade e suas expressÁµes é o grande desafio para cada cidadão moçambicano porque nenhum problema nasce irresoluto. Devemos lutar todas para desconstruir as relaçÁµes violentas nas diferentes instituiçÁµes; na famÁ­lia, no estado, na escola no trabalho.

Portanto, parafraseando o autor desconhecido, a paz faz-se com respeito. E para que a paz alcançada hÁ¡ 20 anos seja duradoura, é necessÁ¡rio que se cultive a cultura de respeito. Quando celebramos os 20 anos de paz, devemos começar a mudar as nossas atitudes e posiçÁµes que possam contribuir para que não tenhamos uma paz efectiva.

Devemos ser capazes de melhorar os sistemas de luta contra todo tipo de violência psicológica e moral. Devemos ser capazes de celebrar a harmonia e a vitória de termos conseguido ultrapassar a barreira do medo e da vergonha em relação a denúncia e a tomada de posicionamentos claros sobre casos de violência sexual institucionalizada porque afinal a paz não é só ausência da guerra.

Celina Henriques é uma jornalista free-lancer. Este artigo faz parte do Serviço Lusófono da Gender Links

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