Mozambique: O Duplo Dilema da Regina


Date: June 18, 2012
  • SHARE:

Vilanculo (Inhambane), 16 de Junho de 2012 – o nÁ­vel de educação no paÁ­s não é dos melhores, e para menores no distrito de Vilanculo, em Inhambane, a situação só pode piorar devido aos elementos do clima.

É que para menores como a Regina, uma rapariga de 13 anos, fazendo sol ou chuva, ir para a escola parece não ser prioritÁ¡rio. Por exemplo, hoje ela não foi a escola porque esteve a chover; a chuva em si não é o problema. O problema reside no facto de a sua escola não possuir cobertura, sendo que, quando chove não se pode estudar.

Mas o facto de a chuva impedir que a Regina não vÁ¡ Á  escola não significa que ela fica em casa. Pelo contrÁ¡rio, ela tem de pegar no bidão de Á¡gua, sair Á  rua e recolher a Á¡gua que se acumula em poços nas bermas da estrada.

Mas também nos dias em que não chove, ela atrasa ou acaba faltando porque tem de percorrer longas distâncias Á  procura de Á¡gua.

Este duplo dilema não é só vivido pela Regina, mas por muitas outras mulheres que vivem ao longo da Estrada Nacional Número Um na provÁ­ncia de Inhambane, particularmente nos distritos de Massinga, Vilanculo, Inhassoro e Govuro, onde hÁ¡ carência da Á¡gua para consumo doméstico.

É contra este pano de fundo que inúmeras crianças africanas celebram hoje o dia da Criança Africana.

As fontes de Á¡gua convencionais não são em número suficiente e os poços tradicionais ficam sempre secos devido Á  estiagem, agravada pela queda cada vez menos regular da chuva nos últimos anos devido as mudanças climÁ¡ticas, fenómeno que jÁ¡ se faz sentir em Moçambique hÁ¡ mais de 40 anos, segundo uma pesquisa coordenada pelo Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC).

Por isso, ao abordar assuntos relacionados com o acesso Á  Á¡gua, é preciso considerar a questão do género, uma vez que este problema afecta tanto o homem como a mulher e muito particularmente este último grupo, por geralmente ser quem responde pela colecta de Á¡gua para o uso doméstico.

Assim, quando falta Á¡gua em casa, ela é quem deve dedicar esforços adicionais para a recolha deste precioso lÁ­quido em fontes alternativas. Igualmente, é importante considerar a questão do género porque a carência de Á¡gua pode significar recorrer a fontes alternativas de abastecimento de Á¡gua, muitas vezes inseguras e que podem resultar em doenças. E no caso de doenças que possam afectar qualquer membro da famÁ­lia, é também a mulher quem deve dedicar maior atenção ao doente.

Além disso, a insuficiência de fontes seguras de abastecimento de Á¡gua pode ter implicaçÁµes nos Á­ndices de atendimento escolar por parte da rapariga, o que pode deitar por Á¡gua abaixo todos os esforços do Governo e parceiros na promoção de igualdade de género através do acesso a educação.

Um estudo do Fundo das NaçÁµes Unidas para a Infância (UNICEF) sobre o impacto dos Desastres Naturais em Moçambique para a Infância indica que as doenças causadas por factores ambientais têm um impacto nos nÁ­veis de atendimento escolar. Segundo indica o estudo de 2012, a desflorestação e a falta de Á¡gua segura próximo de casa pode afectar os nÁ­veis de atendimento escolar, porque as crianças deverão dedicar mais tempo na colecta de lenha e Á¡gua. O mesmo problema afecta os nÁ­veis de atendimento de aulas por parte dos professores.

Moçambique deu passos assinalÁ¡veis no que toca ao acesso a Á¡gua, mas os Á­ndices de cobertura continuam baixos. De acordo com a UNICEF, em 2008, apenas seis por cento da população rural moçambicana tinha acesso ao saneamento seguro e 30 por cento com acesso Á  Á¡gua segura. Esses dados significam que ainda existem muitas famÁ­lias sem acesso Á  Á¡gua e saneamento seguros, recorrendo, por isso, a fontes inseguras e que constituem ameaça para a saúde humana. Para o caso de acesso Á  Á¡gua, algumas das fontes são os rios, lagos ou poços tradicionais, cujo desempenho tem sido influenciado pelos nÁ­veis de precipitação.

Mas os nÁ­veis de precipitação tem estado a baixar nos últimos anos e a situação tenderÁ¡ a pior nos próximos anos. ProjecçÁµes citadas numa pesquisa do docente universitÁ¡rio António Quefasse sobre Mudanças ClimÁ¡ticas indicam que a partir do perÁ­odo 2046/2065 haverÁ¡ uma redução da disponibilidade de Á¡gua entre os meses de Junho e Dezembro, e esse fenómeno poderÁ¡ aumentar ainda no perÁ­odo 2080/2100.

Isso mostra haver uma necessidade urgente de definição de acçÁµes de mitigação dos efeitos das mudanças climÁ¡ticas, particularmente no tocante ao acesso Á  Á¡gua segura. Por exemplo, as actiuais medidas do Governo no tocante a construção de cisternas e caleiras são louvÁ¡veis, mas só podem servir como projectos complementares Á  fontenÁ¡rios convencionais, jÁ¡ que o primeiro tipo de infra-estruturas é fortemente dependente da chuva.

Contudo, a acção do Governo na construção e manutenção de fontes convencionais de abastecimento de Á¡gua ainda é fraco, particularmente na provÁ­ncia de Inhambane, onde vive a menina Regina.

O balanço do Plano Económico e Social de 2011 de Inhambane refere que, actualmente, a taxa de cobertura de Á¡gua na provÁ­ncia é de 75,9 por cento, mas também apresenta um fraco desempenho das autoridades nesta Á¡rea, particularmente no referente a construção e reabilitação de infra-estruturas de abastecimento de Á¡gua. O documento indica que, dos 92 furos de Á¡gua planificados para o ano passado, apenas foram construÁ­dos 32, o correspondente a 34,8 por cento e quanto a reabilitação das fontes existentes, foram apenas abrangidas 95 das 234 fontes inicialmente planificadas.

Mas enquanto isso não acontece, meninas como a Regina continuarão a faltar a escola sempre que cair uma gota milagrosa do céu para recolher a Á¡gua que se acumula na estrada, a mesma que é usada para lavar a roupa, limpeza doméstica ou mesmo para ‘mergulhar’ os irmãozinhos ali mesmo na estrada, apesar disso constituÁ­s um perigo para a sua saúde.

Mahamud Matsinhe é um repórter da Agência de Informação de Moçambique (AIM). Este artigo faz parte do Serviço de Opinião e ComentÁ¡rio da Gender Links

 

 

 


Comment on Mozambique: O Duplo Dilema da Regina

Your email address will not be published. Required fields are marked *