O mundo se despedaça: mudanças climÁ¡ticas corroem progressos do género?


Date: June 1, 2012
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De modo geral, as mudanças climÁ¡ticas não parecem ter nada a ver com a violência baseada no género. Mas existem alguns pontos relevantes sobre a questão, especialmente quando se considera o cenÁ¡rio zimbabwiano.

Mais de três-quartos da população feminina vive em zonas agrÁ­colas onde constituem mais de metade dos camponeses e fornecem 70% dos trabalhadores. Não só o trabalho das camponesas é essencial para a segurança alimentar, como também muitas mulheres são trabalhadoras sem renumeração em suas casas.

A mulher rural trabalha longas horas, 16 a 18 horas por dia, despendendo quase 50% do seu tempo em actividades agrÁ­colas e cerca de 25% em actividades domésticas. A mulher rural, entre outros, praticamente busca a Á¡gua, prepara e processa os alimentos, colecta lenha, cozinha e faz trabalhos domésticos.

Para o Zimbabwe, as últimas duas décadas foram caracterizadas por temperaturas extremas. Durante este tempo, o paÁ­s passou por dez secas, resultando em pouca Á¡gua doce e destruição da biodiversidade. Além disso, as nossas zonas agrÁ­colas também migraram. Enquanto algumas comunidades tiveram que lidar com uma paisagem seca e esparsa, outras experimentaram exactamente o oposto quando inundaçÁµes devastadoras persistentemente atingiram o baixo Guruve.

As mudanças climÁ¡ticas agravam a situação para os que vivem na pobreza, criando um ciclo vicioso. Os desastres que ocorrem devido Á s mudanças climÁ¡ticas podem comprometer as necessidades bÁ¡sicas para a sobrevivência e dignidade das pessoas, bem como minar qualquer progresso alcançado na redução da pobreza. O clima cria as condiçÁµes para o fornecimento de Á¡gua e alimentos, factores essenciais para que a manutenção da saúde e criação de oportunidades para o crescimento económico sejam possÁ­veis. Infelizmente, visto que a situação pode piorar, a maioria das pessoas encontra-se agora em risco.

O Programa das NaçÁµes Unidas para o Desenvolvimento prevê que a produção agrÁ­cola, que é a base de subsistência de quase três-quartos da população, decresça em 30% este século, por a nossa época de plantio diminuir uns 35 dias. Isto significa um decréscimo do nosso alimento bÁ¡sico, milho, a perda da nossa produção pecuÁ¡ria devido em grande parte Á  redução da Á¡rea do pasto. O abastecimento de Á¡gua vai reduzir significativamente com poucos dias de chuva e quando chover haverÁ¡ riscos de inundaçÁµes.

Dado o cenÁ¡rio mencionado acima, recordo-me do poema “The Second Coming (A Segunda Vinda)” de William Butler Yates e do tÁ­tulo do livro do Professor Chinua Achebe inspirado nesse poema, “Things Fall Apart (O Mundo se Despedaça)”. Sim, “Girando e girando num crescente vórtex/ O treinador de falcÁµes perde o controlo do falcão/ O mundo se despedaça e o centro rompe.”

Dado que a maioria de mulheres zimbabweanas vive nas zonas rurais, e perfazem o grosso da força laboral no sector da agricultura, haverÁ¡ um aumento da feminização da pobreza. HaverÁ¡ uma severa perda de subsistência dessas mulheres, graças ao que legalmente se chama força maior ou actos da natureza.

As mulheres terão que viajar longas distâncias para buscar Á¡gua, enfrentar grandes desafios em termos de necessidades de saneamento e banho, por exemplo, e ficarem vulnerÁ¡veis ao estupro. Os jovens e raparigas não serão poupados neste calvÁ¡rio. Raparigas em idade escolar experimentaram desafios na sua educação, possivelmente faltando Á s aulas visto despenderem mais tempo buscando Á¡gua, ou trabalhando em troca de alimentos.

Pior ainda, mais raparigas e alguns rapazes desistirão das aulas porque seus pais não conseguirão pagar propinas. Muitas raparigas casarão cedo e Á s vezes com polÁ­gamos.

HaverÁ¡ migração para as cidades, onde as famÁ­lias viverão em quartos apertados, com pouca ou nenhuma privacidade, onde o abuso infantil, assédio e abuso sexual tornar-se-ão prevalentes. Muitas jovens correm a grave possibilidade de trÁ¡fico humano, onde acabarão no trabalho comercial de sexo, como trabalhadoras domésticas ganhando uma ninharia nas cidades e paÁ­ses vizinhos. O mundo se despedaça possivelmente revertendo os ganhos rumo os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio e vÁ¡rios protocolos internacionais sobre o Género.

Testemunhei um cenÁ¡rio triste perto de Bindura, em 2009, onde raparigas estavam envolvidas na mineração artesanal de ouro ao lado de homens. Isto estava a acontecer devido Á  baixa actividade agrÁ­cola e não-disponibilidade de oportunidades de emprego. Nesta situação, as raparigas expunham-se Á  um ambiente perigoso onde o abuso sexual, e com a possibilidade de infecção por HIV e SIDA, era prevalente.

Todavia, Zimbabwe deve se prepar para o que é uma ameaça iminente de segurança alimentar. Porém, organizaçÁµes como Humana Pessoas para Pessoas (DAPP), Acção PrÁ¡tica e Ambiente África estão a trabalhar com grupos de farmeiros nas regiÁµes mais vulnerÁ¡veis do Zimbabwe para proteger o abastecimento de Á¡gua e alimentos.

As soluçÁµes que devemos ter em conta incluem uma crucial mudança tecnológica e polÁ­tica, conservação de Á¡gua, e o plantio de culturas resistentes Á  seca, bem como uma industrialização das aldeias e reformas económicas mundiais para se ter uma emancipação do capital e económica. O governo deve com a assistência da comunidade doadora continuar a instalar furos de Á¡gua em zonas urbanas e rurais.

A formação dos farmeiros reassentados e pessoas das comunidades deve continuar. OrganizaçÁµes que trabalham na Á¡rea do género devem trabalham em consonância com os ministérios chave em Á¡reas como orçamentação do género, industrialização das aldeias, conservação de Á¡gua e provisão de conhecimento e assistência em tempos de seca, inundaçÁµes e na preparação para o tempo de fome.

Edward Kuyipa trabalha com a Women’s Monitor Magazine. Este artigo faz parte do Serviço de Opinião e ComentÁ¡rio da Gender Links.

 

 


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