Asassinato de esposa é femicÁ­dio e não crime passional


Date: May 30, 2012
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Infelizmente este não é um caso de Romeu e Julieta onde os dois apaixonados decidem acabar com as suas próprias vidas. É um caso de pura brutalidade que se julgou melhor chamar de crime passional.

O jornal “NotÁ­cias” de 17 de Maio de 2012 reportou mais um caso de uma mulher que perdeu a vida brutalmente nas mãos do esposo. O esposo, identificado apenas por J. Rufino, assassinou-a, esquartejou-a e ainda a enterrou no quintal da casa onde os dois viviam. E ainda teve o desplante de participar o desaparecimento da esposa Á  polÁ­cia. O crime só foi descoberto dois meses depois.

Como conta o jornal, o referido “agiu de tal maneira depois de uma discussão entre o casal por motivos de ordem passional.” Portanto, o crime é categorizado de passional. Isso mesmo: passional!!!

Etimologicamente a palavra passional é derivada da palavra latim “passio” que quer dizer “sofrimento, capacidade de aguentar”, do verbo “pati” que significa “sofrer, aguentar”. Dizem os etimologistas que “pati” nasce de uma raiz Indo-Européia “pei”, que significa “ferir” e é usado com o sentido de “forte emoção, desejo” desde 1374, portanto, algo perigoso.

Talvez o significado de “ferir” tenha servido de base de racionalidade dos jurisconsultos que tipificaram o crime de passional. Mas serÁ¡ que é mesmo passional? Se passional é relativo Á  paixão, não seria de esperar que o apaixonado tratasse a sua companheira de melhor forma possÁ­vel?

Mas talvez a questão crucial é se crimes passionais existem. Lonie Athens, um criminologista norte-americano, diz que se existem são muito raros. Athens levou a cabo uma pesquisa muito extensiva culminando na publicação de dois livros: “The Creation of Dangerous Violent Criminals” e “Violent Criminal Acts and Actors Revisited”.

Os livros, principalmente o segundo, concluem que o crime passional se existe é raro. Os criminosos que Athens entrevistou em vÁ¡rias cadeias norte-americanas disseram que sabiam o que estavam a fazer. Na sua maioria, disseram que algo estava acontecendo e decidiram “partir a cabeça de alguém com a jante de um carro.”

Um a um os criminosos disseram essencialmente o mesmo. Disseram que tomaram uma decisão cônscia de cometer o acto. Ora, isto contraria o que se diz de um crime passional que é definido como um crime cometido por paixão. Aparentemente os praticantes de crimes passionais têm um profundo egoÁ­smo, dependência do outro e ciúme doentio, a ponto de não enxergar vida além da relação afectiva. Quando se sentem humilhados ou prestes a serem abandonados, matam quase que por instinto de sobrevivência.

Mas não diz o ditado que “quem ama não mata”? Parece não ser essa a sentença de jurisconsultos, psicólogos e psiquiatras.

Segundo estudiosos do assunto, para envolver-se em uma relação afectiva, só é preciso ter sangue correndo nas veias. Ou “basta amar para matar”, afirmam. “Qualquer pessoa adulta tem reacção passional, é sentimento normal do ser humano. Todos temos paixÁµes, mas isso é controlado. No crime passional, a pessoa simplesmente perde o controle”, explica o especialista brasileiro em medicina psiquiÁ¡trica forense, Talvane de Moraes. O que se lê nas entrelinhas é que o crime passional, diferentemente do assassinato por conveniência, jamais é premeditado.

Ana Beatriz, brasileira especialista em mentes de psicopatas, explica a diferença entre estes e os criminosos passionais. “O passional não é uma pessoa perigosa, cometeu o crime em um momento pontual. É nosso lado animal, todos somos passÁ­veis disso. O psicopata planea matar e não sente culpa depois”.

Com mais de 50 casos de crime passional no currÁ­culo, o advogado criminalista Clovis Sahione é autoridade quando o assunto é gente que mata por amor. O que, segundo ele, não constitui crime. “Matar por amor não é crime. O princÁ­pio do ser humano é o sentimento, e quando essa emoção é traÁ­da, aviltada, ele pratica então esses atos chamados criminosos.”

Em vÁ¡rios paÁ­ses a prÁ¡tica de um homicÁ­dio doloso (com intenção de matar) varia de 12 a 30 anos de prisão, mas costuma-se olhar para o crime passional mais como uma fatalidade que propriamente assassinato. Por isso, são comuns casos em que as alegaçÁµes de legÁ­tima defesa fÁ­sica, de honra, ou crime cometido em momento de violenta emoção gerem penas mais brandas para o réu. Ou até mesmo a absolvição.

E talvez seja justamente por isso que os criminosos tentem, perante a Justiça, convencer que são autores de um crime passional.

Mas voltando Á  vaca fria: serÁ¡ que o caso do nosso compatriota que assassinou, esquartejou e enterrou a esposa no quintal da casa conjugal é crime passional?
Ao ficar dois meses sem dizer nada e muito menos mostrar arrependimento, e como se não bastasse, participar o desaparecimento dela Á  PolÁ­cia, Rufino parece desprovido de qualquer sentimento de solidariedade, um traço de psicopatas.

E solidariedade e protecção passional é o que devia ter oferecido Á  esposa por ser responsÁ¡vel pela integridade fÁ­sica, emocional, e psicológica dela. Se a mulher não pode viver em segurança dentro do lar, espaço em que devia sentir-se mais segura, onde é que ela o pode?
Pessoalmente, sentencio que apesar de ser senso comum rezar que o criminoso passional age de momento, isso não quer dizer que ele sofra algum lapso de consciência no instante do assassinato. Ele sabe, sim, o que faz. Em minha humilde opinião não se mata por amor, mas sim por ódio.

Por isso, penso que devemos chamar as coisas pelos próprios nomes. Crime passional parece até de alguma forma justificar um crime brutal. Uma paixão por mais forte que seja não pode justificar um crime.

O crime é femicÁ­dio, ou seja, o assassinato de mulheres por motivos de género. Esses assassinatos representam uma forma de extensão do poder e controle que os homens têm sobre as mulheres. Eles simbolizam uma lógica prevalecente que mostra as mulheres e raparigas o que poderÁ¡ acontecer caso não se comportem e se conformem com as expectativas sociais e pratiarcais.

Continuar a chamar tais crimes de passionais, estÁ¡-se a minimizar um crime grave que devia ser punido de forma gravosa. A realidade é que a mulher e rapariga podem ser mortas porque são mulheres e raparigas. E esta é a particularidade deste tipo de violência. Não tem nada a ver com honra ou paixão.

Enquanto continuarmos a racionalizar e desculpar crimes baseados no género de crimes passionais, e não aplicar penas severas, vamos continuar a ver notÁ­cias como as que o “NotÁ­cias” reportou. Infelizmente, não é uma estória de Romeu e Julieta. É real!!!

 

 


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