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Como parte de uma equipa implementando um projecto sobre a adaptação Á s mudanças climÁ¡ticas na planÁcie do Lago Kyoga, no distrito de Pallisa, no leste de Uganda, vi em primeira mão como as mudanças climÁ¡ticas afectam as comunidades agro-pecuÁ¡rias. Para quem ainda duvida ou pensa erradamente que as mudanças climÁ¡ticas são algo sobre as quais devemos nos preocupar apenas no futuro, devia fazer uma viagem ao Lago Kyoga – apenas um exemplo do que vai acontecendo Á s comunidades no continente.
A comunidade é pobre, mas densamente populada, com muitas famÁlias tendo mais de dez membros da famÁlia. As famÁlias polÁgamas têm entre 20 e 40 ou mais membros de famÁlia. Muitas casas têm crianças visivelmente malnutridas. Algumas têm kwashiorkor e muitas são raquÁticas. As mulheres são emaciadas, um sinal de sub-alimentação.
Grupos de interesses reportaram que antes de 2000 as épocas chuvosas eram regulares. Mas começaram a notar que as chuvas eram irregulares, nalguns momentos caindo fora da época. Quando chovia, chovia torrencialmente, causando erosão dos solos.
Em 2007, as inundaçÁµes resultaram em perdas de todas as culturas. Em 2009, as chuvas caÁram em Fevereiro, um mês mais tarde do que se esperava, mas reduziram em Abril e pararam abruptamente em Maio para o resto do ano. Em 2010, as chuvas continuaram durante a época das colheiras e de novo causaram perda de culturas, especialmente de feijão-caupi, amendoim e algodão.
Ambos os homens e mulheres reportaram escassez de alimentos durante a época seca, que causou a morte dos grupos vulnerÁ¡veis tais como crianças e idosos. Os vegetais tornaram-se escassos e a comunidade mal conseguia ter duas refeiçÁµes por dia, mesmo quando tinham culturas como a mandioca.
Uma estratégia foi adoptada. A comunidade decidiu plantar as suas culturas mais cedo. Antes das chuvas, os camponeses preparam as suas machambas e plantam sorgo e cevada para que germinem antes das chuvas. Estas culturas são resistentes Á secas.
As mulheres foram mais afectadas pela escasses alimentar ao ponto de começarem a colher frutos silvestres para alimentar a famÁlia e venderem a sua mão-de-obra a vizinhos com posses em troca de comida. Os que vivem perto to lago vão Á pesca e todas as manhãs grupos de mulheres podem ser vistas a caminhar nas margens do lago com cestos de pescado nas cabeças.
Porém, o lago é um recurso comunal e estÁ¡ sendo sobre-explorado. As mulheres regressam tarde com peixe miúdo, que vendem na estrada, guardando pouco para o consumo caseiro.
A Á¡gua para o consumo caseiro é também um problema, porque muitos poços secam na época de seca. Alguns membros da comunidade cavaram poços perto das suas casas. Enquanto as mulheres lutavam contra a escassez alimentar, os homens estavam preocupados com Á¡gua e gado.
Á€s vezes, mesmo as estratégias de adaptação podem causar outro tipo de problemas. A comunidade começou a cultivar arroz como uma estratégia de adaptação, mas a invasão dos pântanos estÁ¡ causando problemas ao gado.
Um dia paramos para fotografar um dos pântanos severamente invadidos. Um grupo de homens encorajou-nos a agir sobre a maciça destruição dos pântanos pelos plantadores de arroz visto que os animais jÁ¡ não têm acesso Á Á¡gua e pasto. O pântano costumava ser uma Á¡rea de pasto e bebedouro comunal para o gado. Em volta das casas vimos gado bovino e caprino amarrado debaixo do sol ardente sem absolutamente nada para comer.
Agora os camponeses nas comunidades plantam sorgo, cevada, feijão-caupi e mandioca. Porém, devido Á falta de tecnologias pós-colheita adequadas, eles vendem parte das culturas imediatamente depois da colheita. Eles investem parte dos rendimentos das colheitas na compra de galinhas e perus de modo a vendê-los no momento de necessidade. Mas esta estratégia não parece ter surtido o efeito desejado jÁ¡ que em muitas casas não havia galinhas. Houve altas perdas de galinhas e perus por causa de doenças, predadores e falta de alimento animal, especialmente durante as secas.
Os camponeses formaram alguns grupos de poupança da aldeia. Os membros do grupo contribuem pequenos montantes de dinheiro e dão a um membro, numa base rotativa, para começar um pequeno negócio. Até aqui, os negócios criados incluem o fabrico de bebidas alcoólicas, pequenas barracas de venda de refeiçÁµes, venda de bens essenciais de consumo e fabrico de blocos.
A comunidade da planÁcie do Lago Kyoga é apenas uma aldeia pequena, mas segundo o Programa das NaçÁµes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a agricultura é a principal fonte de rendimento de 70% da população africana. Apesar de ambos os homens e mulheres serem afectados, as mulheres desempenham um papel central na produção de alimentos e a agricultura é central para a sua subsistência. Se não protegermos e preservarmos a terra produtiva, a subsistência familiar pelo continente estarÁ¡ em risco.
O problema das mudanças climÁ¡ticas é amplo e precisa de esforços multi-concertados para as comunidades se adaptarem em pleno aos desafios co,ocados pelas mudanças climÁ¡ticas. As comunidades também precisam de começar a usar sistemas de conhecimento indÁgena para preservar as suas culturas. Deste modo, a agricultura familiar pode ser exitosa e as comunidades podem assegurar a sua alimentação.
Rose Omaria é uma pesquisadora cientista do Instituto Nacional de Recursos PecuÁ¡rios em Uganda. Este artigo faz parte do Serviço de Opinião e ComentÁ¡rio da Gender Links.
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