Moçambique: Escassez de Á¡gua e os caminhos da paz


Date: October 31, 2012
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Maputo, 31 de Outubro de 2012 À“ A Á¡gua tem vindo a ser apontada como um lÁ­quido precioso que poderÁ¡ num futuro próximo ser um factor de instabilidade polÁ­tica e conflicto inter-estatal e intra-estatal.

O mais recente relatório do Conselho Nacional de Inteligência dos Estados Unidos da América sobre Á¡gua e segurança global argumenta que regiÁµes de África, Médio Oriente e Ásia Menor “irão enfrentar graves desafios em lidar com problemas de Á¡guaÀ, como resultado de crescimento populacional e demanda económica. “Estes desafios irão aumentar os riscos de instabilidade dentro e entre estados,À lê-se no relatório.

Em Moçambique, existem zonas onde hÁ¡ problemas sérios de escassez de Á¡gua. Chigubo, provÁ­ncia de Gaza, é uma das zonas que mais se ressente da escassez de Á¡gua. Actualmente, o fardo da escassez recai sobre os ombros das mulheres e raparigas de Chigubo.

Carmélia Chirindza, 16 anos de idade, tronco curvado num espaço onde antes havia um riacho faz covas para encontrar Á¡gua. O exercÁ­cio não lhe garante muito. Porém, depois de duas horas consegue encher um bidão de cinco litros. É tudo que consegue num dia bom. A falta de Á¡gua, não chove devidamente em Chigubo, mudou complemente a vida da população de Zinhane.

Carmélia tem duas amigas: Rute e AnastÁ¡cia. Todas deixaramde frequentar a escola para percorrer quilómetros Á  procura de Á¡gua. Mas nem sempre foi assim em Chigubo. “É verdade que nunca houve fartura, mas sabÁ­amos quando é que terÁ­amos Á¡guaÀ, conta AnastÁ¡cia, a mais velha.

Os residentes de Zinhane mal sabem que a falta de Á¡gua e consequente baixa nas colheitas, nos últimos dois anos, foi influenciada por um evento, o La Ninã. Efectivamente, os eventos oceano-atmosféricos La NiÁ±a geram mais humidade do que o normal. Por este motivo, admitiu-se, referiu o Ándice de Satisfação das Necessidades HÁ­dricas (WRSI), a possibilidade de cheias no princÁ­pio de 2012 o que seria, diga-se, uma bênção para as terras semi-Á¡ridas de Chigubo.  

Porém, a estação de chuvas registou um carÁ¡cter incomum.   Ou seja, ciclones e cheias marcaram algumas regiÁµes do paÁ­s e outras, em contradição, viveram e vivem os efeitos de uma seca devastadora devido aos padrÁµes de precipitaçÁµes escassas e errÁ¡ticas nas Á¡reas Á¡ridas e semiÁ¡ridas do sul de Moçambique. Assim, Zinhane e outros pontos do distrito de Chigubo viraram uma zona de risco de segurança alimentar. Uma avaliação da Oxfam indica que 10 mil pessoas (metade da população) foram afectadas. Contudo, o cenÁ¡rio no terreno mostra um quadro bem mais negro e preocupante.

67 porcento da produção esperada ficou afectada. Por outro lado, o Relatório da Monitoria da Situação de Segurança Alimentar e Nutricional, do Ministério da Agricultura (MINAG), refere que as reservas alimentares duraram até Agosto. Este dado contrasta com as informaçÁµes faculdades pelos lÁ­deres tribais que referem que a falta de chuvas prejudicou a produção agrÁ­cola nos últimos dois anos – a Á¡rea plantada no Posto Administrativo de Chigubo, em 2011, foi de 5442 hectares, dos quais 4352 foram perdidos. Em 2012, 3.865 hectares foram trabalhados pelos agricultores e a perda foi de 1.284 hectares. A produção esperada registou 20 porcento no primeiro ano e sofreu uma redução de cerca de 92 porcento no segundo.

É contra este pano de fundo que Moçambique celebra em Outubro de 2012 20 anos de paz. Porém, é preciso frisar que a escassez de Á¡gua e perda de colheitas tem sérias implicaçÁµes sobre o processo de construção de paz.

No Quênia, um paÁ­s que tem uma história de conflictos e instabilidade polÁ­tica, a escassez de Á¡gua em certas zonas do paÁ­s é considerada com um factor de desestabilização. Devido Á  seca, tem-se observado um fenómeno de roubo de Á¡gua, que leva a escaramuças na vizinhança.

Makumi Mwagiru, docente no Instituto de Estudos DiplomÁ¡ticos da Universidade de Nairobi, considera a situação da escassez da falta de Á¡gua como uma bomba-relógio. Citado pela agência Reuters, Mwagiru disse que “alguns pensam que o roubo de Á¡gua é algo insignificante, mas estamos a viver com uma bomba-relógioÀ.

Isto adverte-nos contra o risco de pensarmos que a paz no paÁ­s estÁ¡ consolidada. O economista moçambicano, Carlos-Nuno Castel Branco, captura bem este pensamento. Entrevistado pela RÁ¡dio Deutsche Velle, no âmbito das celebraçÁµes dos 20 anos de paz, disse: “Não temos guerra, mas temos o potencial de enorme violência social todos os dias: o desemprego é grande violência social, mÁ¡ educação é violência social, morrer no centro de saúde por negligência ou mau tratamento é violência social, ser tirado da sua terra e depois não conseguir emprego é violência social. Todas essas formas de violência social estão presentes diariamente. E isso não é paz.À

É preciso que se olhe a situação de Chigubo com grande preocupação. Não nos podemos compadecer com um cenÁ¡rio onde uns dormem de barriga cheia enquanto outros nem sabem o que irão comer no dia seguinte. Estou a imaginar um cenÁ¡rio onde a população de Chigubo pode desesperadamente começar a promover raides junto dos outros distritos circundantes para se alimentar À“ com todas as consequências resultantes dessa medida desesperada.

Portanto, não devemos esconder-nos no argumento de que a natureza não favoreceu Chigubo e outras zonas semi-Á¡ridas. Temos é que alocar recursos de modo a fazer furos de Á¡gua para essas populaçÁµes. Raparigas como a Carmélia não podem ficar fora do sistema escolar apenas porque os adultos não criaram soluçÁµes para se colmatar a escassez da Á¡gua. O risco é mais tarde alimentarem o exército dos desempregados que pode ser instrumentalizado no sentido de criar instabilidade.

Rui Lamarques é o chefe de Redacção do semanÁ¡rio @Verdade. Este artigo faz parte do Serviço Lusófono da Gender Links


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