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Participação polÁtica é a possibilidade que qualquer cidadão ou grupo social tem de influenciar de forma efectiva a agenda pública local, nacional ou internacional, através da participação legal e activa no sistema representativo, a partir do voto, nas campanhas, nas eleiçÁµes e na estrutura legislativa.
Ela ocorre também através da presença efectiva nas estruturas, nas actividades e no trabalho partidÁ¡rio, em grupos organizados da sociedade civil e em manifestaçÁµes orientadas a exercer influência nas polÁticas públicas dos Governos. Como se pode depreender, o conceito de participação polÁtica tem um significado fortemente vinculado Á conquista dos direitos de cidadania e assenta-se essencialmente em três nÁveis: presença, activismo e capacidade de decisão ou de influência.
A presença da mulher na polÁtica, em Moçambique, remonta aos primórdios do processo de luta de libertação nacional. Referências históricas atestam que a greve de Buzi, localizada na agora provÁncia de Sofala, realizada em 1947, é disso exemplo. Tratou-se de um movimento grevista que incluiu a participação de 7.000 mulheres que se recusaram a trabalhar no cultivo de algodão, queimaram as sementes e participaram em outras açÁµes contra as concessionÁ¡rias algodoeiras, obtendo a isenção deste trabalho para as grÁ¡vidas e mães com crianças de até quatro anos de idade.
Outra iniciativa de fundamental importância foi a actuação das mulheres na propaganda de desprestÁgio do governo colonial perante a população e a divulgação de notÁcias do então movimento nacionalista, a Frente de Libertação Nacional de Moçambique (FRELIMO). Com efeito, a actuação das mulheres no processo revolucionÁ¡rio foi antecedida pela sua participação em movimentos contra o colonialismo.
Antes mesmo do inÁcio da luta armada, camponesas cumpriram um papel estratégico na propaganda anti-colonialista e essa experiência também foi vivenciada por grupos femininos das zonas urbanas, onde se destacou o Núcleo dos Estudantes SecundÁ¡rios Africanos de Moçambique (NESAM). O NESAM jogou um papel fundamental na mobilização de um grupo de mulheres para se aliarem Á causa da independência.
Segundo relatos históricos, destacou-se nesse grupo a Josina Machel, que se filiou Á FRELIMO em 1965. A sua actuação neste movimento permitiu-lhe ocupar cargos superiores, tal como a chefia do Departamento de RelaçÁµes Exteriores e Assuntos Sociais, onde prestava assistência Á s causas das mulheres integrantes do movimento e foi responsÁ¡vel pela criação de orfanatos para os filhos das combatentes. Josina Machel morreu a 7 de Abril de 1971, durante a Luta Armada, e se tornou um exemplo memorÁ¡vel na história de Moçambique. A sua importante contribuição durante a guerra valeu-lhe a proclamação do dia da sua morte como o dia nacional das mulheres moçambicanas.
Entretanto, Josina Machel não foi a única a combater durante a guerra de libertação nacional e nem foi esta a forma exclusiva de contribuição feminina, quer durante a luta armada, quer após a independência. Muitas outras mulheres também se destacaram na luta de libertação, prestando assistência aos guerrilheiros e participando dos combates, ao nÁvel do Destacamento Feminino da FRELIMO. Paralelamente, muitas mulheres que não se inseriram no Destacamento Feminino continuaram a contribuir na Revolução através de outras formas, tais como o transporte de material, a produção de alimentos para os combatentes, bem como a participação activa como informantes, professoras ou enfermeiras.
Após a independência, a participação da mulher na vida polÁtica no paÁs continuou. Com efeito, a FRELIMO jÁ¡ havia criado a Organização das Mulheres Moçambicanas (OMM), em 1973, uma estrutura que tinha como função principal trabalhar pela emancipação feminina, envolvendo as mulheres nas tarefas da Revolução e estimulando o seu engajamento internacional com outras organizaçÁµes de mulheres no mundo. Pese embora a nova constituição nacional reconhecesse a igualdade de direitos e deveres entre os homens e as mulheres e proclamasse a emancipação da mulher como uma das tarefas primordiais do Estado, a colocação da mulher no exercÁcio do poder popular efectivo foi insignificante.
As mulheres exerciam papéis subalternos e a sua acção confinava-se Á s Á¡reas de influência da OMM, meramente em actividades de assistência social, de participação em eventos culturais e da edificação da sociedade que se pretendia para o paÁs. Durante este perÁodo, um dos únicos elementos de notabilização da mulher foi a actuação de Graça Machel como Ministra da Educação, no primeiro Governo de Moçambique independente.
No perÁodo do pós-guerra civil e imediatamente a seguir Á s primeiras eleiçÁµes gerais e multipartidÁ¡rias, realizadas em 1994, verificou-se um aumento substancial de mulheres que participavam nos processos polÁticos nacionais, liderando órgãos e instituiçÁµes públicas, e nas fileiras partidÁ¡rias. Embora tenha havido um reconhecimento explÁcito da necessidade de inserção da mulher nesse processo, o seu acesso ao espaço e o efectivo exercÁcio polÁtico enfrentava ainda uma série de barreiras a nÁvel familiar, comunitÁ¡rio e institucional. Os homens continuaram a ocupar lugares de destaque nos centros de tomada de decisão e, mesmo nos cenÁ¡rios em que acediam ao espaço polÁtico, as mulheres não faziam o devido uso do seu poder e voz de modo a influenciar processos e agendas polÁticas, a inserir as questÁµes de género no quadro polÁtico nacional e a representar de modo activo e efectivo os anseios das mulheres nas instituiçÁµes polÁticas.
Em tempos mais recentes, tem-se notado um crescimento numérico significativo da participação polÁtica da mulher no paÁs. Segundo dados publicados pelo Governo moçambicano, só ao nÁvel do Parlamento a proporção de assentos ocupados por mulheres no mandato governativo de 2005-2009 foi de 37.2%, representando um aumento na ordem de 2% em relação ao mandato governativo de 1999-2004. Ao nÁvel do poder executivo, verificou-se pela primeira vez a nomeação de uma Primeira-Ministra e o registo de uma percentagem crescente de ministras, comportando cerca 25.9% dos membros do Governo, e de vice-ministras, em cerca de 31.5%.
Paralelamente, e no presente mandato governativo, para além de se verificar o relativo aumento da presença de mulheres como Ministras e Vice-Ministras, destaca-se a eleição de uma mulher para a presidência da Assembleia da República, a segunda figura na hierarquia do Estado. Igualmente, duas das maiores bancadas parlamentares são chefiadas por mulheres e, ao nÁvel dos governos provinciais, o número de governadoras passou de duas, no mandato anterior, para três, no presente mandato. Como se pode depreender, estes números são encorajadores, ao nÁvel da participação da mulher na polÁtica, e este número pode produzir uma governação mais sensÁvel Á s questÁµes de género.
Entretanto, o paÁs continua ainda longe das metas traçadas, em termos de paridade, e esta percepção ainda não estÁ¡ reflectida na consolidação da democracia a nÁvel nacional. As mulheres constituem, em termos númericos, mais de metade da população nacional e uma parte significativa do eleitorado. As percentagens que ocupam na Assembleia da República, ao nÁvel do Governo e em cargos de direcção e chefia em instituiçÁµes públicas ou privadas são ainda insignificantes e revelam uma sub-representação nos principais centros de decisão do paÁs À“ abaixo da meta de 50% de mulheres em órgãos de tomada de decisão até 2015, acordada na região.
Em Moçambique, e para o caso da mulher, nota-se claramente que hÁ¡ uma presença crescente dela nos poderes polÁticos instituÁdos. Á€ par desse facto, nota-se também um crescimento das iniciativas de empoderamento da mulher em situaçÁµes de vulnerabilidade social e económica, particularmente através de organizaçÁµes da sociedade civil. O terceiro nÁvel de participação polÁtica, que tem a ver com o processo de tomada de decisão, é que se encontra ainda incipiente. Com efeito, muito ainda precisa de ser feito de forma a garantir que a participação polÁtica da mulher seja um facto e não apenas um slógan.
As mulheres, com algumas excepçÁµes notÁ¡veis, ainda não têm mostrado o seu verdadeiro impacto e influência na formulação, concepção e implementação das grandes decisÁµes nacionais. Ademais, o desenvolvimento e o empoderamento da mulher não podem ser medidos apenas em termos do número de mulheres que fazem parte do Executivo ou das posiçÁµes que elas ocupam na administração de vÁ¡rias instituiçÁµes públicas ou privadas. Esses números, para além de insignificantes e ilusórios, não podem ser tomados como sinónimo de melhoria generalizada dos direitos e oportunidades das mulheres.
Edgar Barroso é uma bloguista e activista social. Este artigo faz parte do Serviço de Opinião e ComentÁ¡rio da Gender Links.
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