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Maputo, Abril de 2012- Houve tempos em que a vinda da minha mãe Á cidade e a nossa visita Á sua localidade não era apenas um momento de felicidade para todos nós mas também de trocas.
Minha mãe trazia-nos hortÁcola, tubérculos e frutas de Vundiça, uma localidade no posto administrativo de Pessene, na Moamba. Em contrapartida, nós levÁ¡vamos connosco produtos tipicamente da cidade, tais como maçãs, bens higiénicos e cosméticos, entre outros.
Porém, hoje o quadro é outro: ela vem Á cidade de mãos a abanar e nós é que temos que levÁ¡-la produtos tipicamente do campo. Ela tenta explicar a actual realidade através de argumentos invariavelmente ligados Á superstição.
Ela e outros membros da região atribuem as culpas pela escassez da chuva aos espÁritos dos antepassados ou ainda a não observância de algumas prÁ¡ticas ligadas Á tradição – a invocação dos antepassados tem sido prÁ¡tica frequente para implorar a queda das chuvas, mas parece que isso não tem resultado, pois a situação prevalece.
Mas culpar a tradição é a saÁda mais fÁ¡cil. Os cientistas argumentam que a razão da queda nos nÁveis de pluviosidade e subsequente estiagem se deve Á s mudanças climÁ¡ticas.
Hanoch Barlevi, especialista em Redução de Risco da UNICEF em Moçambique, disse em 2011 que as mudanças climÁ¡ticas teriam um impacto negativo no paÁs. Obviamente, isso significa que recursos serão desviados para se lidar com o impacto; estima-se que Moçambique terÁ¡ que investir mais de $300 milhÁµes em medidas tendentes a reduzir ou mitigar os efeitos das mudanças climÁ¡ticas.
No entanto, apesar das mudanças climÁ¡ticas afectarem a todos, as mulheres e crianças é que são o grupo mais afectado. Numa sociedade machista como a nossa, quem arca com todas as responsabilidades é a mulher. Mesmo sabendo da estiagem os homens continuam a insistir no sentido de serem as mulheres a buscar ou procurar alimentos, não importando aonde – algumas mulheres têm de vir Á cidade a procura de mantimentos, cerca de 80 kms de distância. Ademais, elas têm também de percorrer longas distâncias para buscar Á¡gua, para não falar de cuidar da famÁlia, entre outros.
Indiscutivelmente, numa sociedade onde as desigualdades do género ainda são gritantes quem paga a maior factura são as mulheres, sendo que, por esta razão as mudanças climÁ¡ticas são grandemente uma questão de género. DaÁ que, os fazedores de polÁticas públicas e decisores precisam de olhar para esta realidade com maior preocupação.
O fenómeno das mudanças climÁ¡ticas poderÁ¡ também afectar a saúde mental da mulher. Uma pesquisa feita por investigadores britânicos da University College London (UCL) e publicado na revista cientÁfica Science indica que aqueles que pensam muito tempo sobre a vida podem acabar ficando depressivos e ter até lapsos de memória. Se se considerar que mais e mais a mulher é obrigada a preocupar-se em encontrar soluçÁµes para a busca de alimentos, pode se concluir que é possÁvel que ela seja afectada por doenças mentais, para além de outros problemas de saúde como hipertensão, entre outros.
Uma das medidas que poderiam ser tomadas para atenuar o sofrimento destas mulheres é disseminar-se conhecimentos sobre como pode se praticar a agricultura que não dependa simplesmente da chuva e sobre as culturas tolerantes Á seca. Por outro lado, devia se disseminar prÁ¡ticas que evitem e deterioração dos solos, como é o caso da intensificação de acçÁµes de combate a queimadas descontroladas, de entre outras actividades que danificam os solos.
Porém, para que isso aconteça é preciso vontade por parte dos formuladores das polÁticas, assim como dos seus decisores. Ademais, os homens precisam também reverter o cenÁ¡rio, sendo mais colaborativos com as mulheres, pois quem carrega mais a cruz das mudanças climÁ¡ticas em Vundiça, assim como noutros pontos deste vasto Moçambique, são as mulheres. Enquanto não for solucionado ou minimizado este problema, o sofrimento deve ser repartido não atirando todo o fardo Á s mulheres.
Simon Francisco é jornalista do DiÁ¡rio de Moçambique. Este artigo faz parte do Serviço de Opinião e ComentÁ¡rio da Gender Links, oferecendo-te novas perspectivas sobre notÁcias do dia-a-dia.
Comment on Moçambique: Mulheres de vundiça jÁ¡ carregam a cruz das mudanças climÁ¡ticas