Moçambique: Mulheres de vundiça jÁ¡ carregam a cruz das mudanças climÁ¡ticas


Date: May 30, 2012
  • SHARE:

Maputo, Abril de 2012- Houve tempos em que a vinda da minha mãe Á  cidade e a nossa visita Á  sua localidade não era apenas um momento de felicidade para todos nós mas também de trocas.

Minha mãe trazia-nos hortÁ­cola, tubérculos e frutas de Vundiça, uma localidade no posto administrativo de Pessene, na Moamba. Em contrapartida, nós levÁ¡vamos connosco produtos tipicamente da cidade, tais como maçãs, bens higiénicos e cosméticos, entre outros.

Porém, hoje o quadro é outro: ela vem Á  cidade de mãos a abanar e nós é que temos que levÁ¡-la produtos tipicamente do campo. Ela tenta explicar a actual realidade através de argumentos invariavelmente ligados Á  superstição.
Ela e outros membros da região atribuem as culpas pela escassez da chuva aos espÁ­ritos dos antepassados ou ainda a não observância de algumas prÁ¡ticas ligadas Á  tradição – a invocação dos antepassados tem sido prÁ¡tica frequente para implorar a queda das chuvas, mas parece que isso não tem resultado, pois a situação prevalece.

Mas culpar a tradição é a saÁ­da mais fÁ¡cil. Os cientistas argumentam que a razão da queda nos nÁ­veis de pluviosidade e subsequente estiagem se deve Á s mudanças climÁ¡ticas.

Hanoch Barlevi, especialista em Redução de Risco da UNICEF em Moçambique, disse em 2011 que as mudanças climÁ¡ticas teriam um impacto negativo no paÁ­s. Obviamente, isso significa que recursos serão desviados para se lidar com o impacto; estima-se que Moçambique terÁ¡ que investir mais de $300 milhÁµes em medidas tendentes a reduzir ou mitigar os efeitos das mudanças climÁ¡ticas.

No entanto, apesar das mudanças climÁ¡ticas afectarem a todos, as mulheres e crianças é que são o grupo mais afectado. Numa sociedade machista como a nossa, quem arca com todas as responsabilidades é a mulher. Mesmo sabendo da estiagem os homens continuam a insistir no sentido de serem as mulheres a buscar ou procurar alimentos, não importando aonde – algumas mulheres têm de vir Á  cidade a procura de mantimentos, cerca de 80 kms de distância. Ademais, elas têm também de percorrer longas distâncias para buscar Á¡gua, para não falar de cuidar da famÁ­lia, entre outros.

Indiscutivelmente, numa sociedade onde as desigualdades do género ainda são gritantes quem paga a maior factura são as mulheres, sendo que, por esta razão as mudanças climÁ¡ticas são grandemente uma questão de género. DaÁ­ que, os fazedores de polÁ­ticas públicas e decisores precisam de olhar para esta realidade com maior preocupação.

O fenómeno das mudanças climÁ¡ticas poderÁ¡ também afectar a saúde mental da mulher. Uma pesquisa feita por investigadores britânicos da University College London (UCL) e publicado na revista cientÁ­fica Science indica que aqueles que pensam muito tempo sobre a vida podem acabar ficando depressivos e ter até lapsos de memória. Se se considerar que mais e mais a mulher é obrigada a preocupar-se em encontrar soluçÁµes para a busca de alimentos, pode se concluir que é possÁ­vel que ela seja afectada por doenças mentais, para além de outros problemas de saúde como hipertensão, entre outros.

Uma das medidas que poderiam ser tomadas para atenuar o sofrimento destas mulheres é disseminar-se conhecimentos sobre como pode se praticar a agricultura que não dependa simplesmente da chuva e sobre as culturas tolerantes Á  seca. Por outro lado, devia se disseminar prÁ¡ticas que evitem e deterioração dos solos, como é o caso da intensificação de acçÁµes de combate a queimadas descontroladas, de entre outras actividades que danificam os solos.

Porém, para que isso aconteça é preciso vontade por parte dos formuladores das polÁ­ticas, assim como dos seus decisores. Ademais, os homens precisam também reverter o cenÁ¡rio, sendo mais colaborativos com as mulheres, pois quem carrega mais a cruz das mudanças climÁ¡ticas em Vundiça, assim como noutros pontos deste vasto Moçambique, são as mulheres. Enquanto não for solucionado ou minimizado este problema, o sofrimento deve ser repartido não atirando todo o fardo Á s mulheres.

Simon Francisco é jornalista do DiÁ¡rio de Moçambique. Este artigo faz parte do Serviço de Opinião e ComentÁ¡rio da Gender Links, oferecendo-te novas perspectivas sobre notÁ­cias do dia-a-dia.

 

 


Comment on Moçambique: Mulheres de vundiça jÁ¡ carregam a cruz das mudanças climÁ¡ticas

Your email address will not be published. Required fields are marked *