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Maputo, Abril de 2012 – Em Dezembro de 2011, fui de férias Á provÁncia de Gaza, concretamente no distrito de GuijÁ¡, para visitar o meu tio.
Foi então que o meu tio decidiu apresentar-me alguns dos seus amigos com quem tem convivido, e foi assim que fomos a casa do senhor Z. Mandlate. Ele estava visivelmente transtornado porque a mulher tinha saÁdo hÁ¡ mais de 2 horas Á busca de Á¡gua potÁ¡vel.
– Hey irmão, entra e seja bem vindo….
– Este é meu sobrinho, vem de Maputo ….
– Ok. Prazer meu filho. Só que, infelizmente estÁ¡s a vir num dia muito difÁcil. Não posso vos servir nada para comer, minha esposa desde que saiu por volta das 11:30h, veja que agora são quase 13:30h e não voltou ainda….
– Para onde ela foi?
– Buscar Á¡gua, mas pora! Duas horas para buscar Á¡gua?… Isso só pode ser um abuso de confiança… Ela vai ter que me explicar bem essa história quando chegar. EstÁ¡ cada dia pior, ontem e antes de ontem foi a mesma coisa. Pacientei e agora chega! Ela vai-me conhecer bem hoje.
Fiquei espantado quando o meu tio concordou com o amigo e sugeriu que este a castigasse pelo facto de estar a demorar chegar Á casa.
As atitudes destes 2 homens remetem-me ao seguinte:
Alguns dos papeis socialmente construidos que definem o que é ser um homem e o que é ser uma mulher no nosso paÁs influenciam de forma negativa as relaçÁµes de género. E invariavelmente resultam em prÁ¡ticas negativas como é o caso da violência e este exemplo mostra que a mulher é a maior vÁtima.
Muitos homens sentem-se no direito castigar uma mulher quando na óptica deles faz algo de errado – no caso concreto e na óptica de Mandlate ela errou por ter demorado regressar com a Á¡gua.
Infelizmente, a grande parte da sociedade pensa da mesma maneira. Isto faz com que a mesma de certa forma “legitime” estes actos vergonhosos praticados por homens contras as mulheres.
Porque buscar Á¡gua naquela comunidade é uma tarefa exclusivamente da mulher, os homens não sabem quais são contornos para se conseguir um balde Á¡gua, e quando se verifica uma demora acham que ela não estÁ¡ a cumprir devidamente com a sua tarefa, o que pode culminar muitas vezes com castigo.
Em conversa com alguns locais pude me aperceber que antes as mulheres buscavam Á¡gua mais próximo das suas casas, o que tornava reduzido o seu tempo de ausência. Porém, devido Á s mudanças climÁ¡ticas, as fontes estão a secar e as mulheres têm de percorrer grandes distâncias para buscar Á¡gua potÁ¡vel e os maridos não sabem do problema.
O facto é que é as mudanças climÁ¡ticas estão a impactar de forma negativa sobre a vida de homens e mulheres. Passeando um pouco pela vila, foi possÁvel ver que hÁ¡ escassez de Á¡gua, sendo que o fardo de trabalho recai mais nas mulheres visto que elas acabam caminhando longas distâncias Á busca de Á¡gua e algumas vezes com crianças nas costas, debaixo de sol intenso. E o que agrava a sua condição é o facto de que podem sofrer violência como a esposa de Mandlate por causa de uma pretensa demora.
Com este facto concluo que, existe uma relação muito Ántima entre as mudanças climÁ¡ticas e o género.
Em minha opinião, é necessÁ¡rio que todas as estruturas de liderança deste paÁs estejam a corrente dos efeitos das mudanças climÁ¡ticas e saibam até que ponto afectam as relaçÁµes de género e desta forma, procurarem mecanismos de minimizar o problema porque deixado como estÁ¡, pode aumentar o sofrimento das moçambicanas e dos moçambicanos.
Gilberto Macuacua é um activista dos direitos humanos. Este artigo faz parte do Serviço de Opinião e ComentÁ¡rio da Gender Links, oferecendo-te novas perspectivas sobre notÁcias do dia-a-dia
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