
SHARE:
Maputo, 26 de Fevereiro de 2013 À“ O Dia de São Valentim parece ter o condão de galvanizar a sociedade a estar em comunhão com o seu lado compassivo. Os homens, socializados a esconderem os seus sentimentos em público, formam bichas nas diversas lojas para a compra de presentes para as suas amadas À“ acreditam que assim estão a mostrar o seu amor Á s suas parceiras.
O que salta Á vista é que consciente ou inconscientemente acabam equacionando o dinheiro ao amor romântico, isto é, gastam rios de dinheiro a comprar chocolate, perfumes, lingeries, jantares, etc. para oferecer Á s amadas nesse dia.
Porém, basta o dia passar para retornarem ao seu normal: machistas e exÁmios no uso da força fÁsica para imporem a sua vontade sobre as mulheres. Retornam ao seu mundo onde exigem ser tratados como antes, isto é, que a mulher seja submissa Á sua vontade.
Mesmo as ofertas de presentes que fazem Á s suas amadas circunscrevem-se dentro da lógica de que o homem providencia os bens materiais Á mulher, e em troca esta oferece o seu corpo. Duvido que se a oferta não encerasse consigo a promessa de posse do corpo da mulher, muitos homens ofereceriam presentes Á s mulheres com as quais não têm parentesco.
Portanto, o comportamento romântico que os homens machistas adoptam no dia 14 de Fevereiro acaba sendo algo para o inglês ver. Não parece algo que esteja incrustado no ADN dos homens.
Mas para chamar-se atenção ao facto de o mundo ter decidido este ano juntar o útil ao agradÁ¡vel, usando o 14 de Fevereiro para chamar atenção Á s injustiças contra a mulher. Alcunhado de Um Bilhão Cresce, a ideia do movimento baseou-se nas estimativas de um relatório das NaçÁµes Unidas que lia que uma em três mulheres receberÁ¡ ofensas corporais ou violada ao longo da sua vida, isto é, um bilhão de mulheres.
A região da África Austral tem a distinção de ser o local onde, por exemplo, ocorre o maior número de violaçÁµes. Por exemplo, a República DemocrÁ¡tica do Congo é considerada a capital mundial de violação, o pior lugar para uma mulher viver À“ um estudo recente indica que 1,152 mulheres são violadas diariamente.
Mas também é preciso compreender o contexto em que essas violaçÁµes ocorrem. Congo, uma nação de 70 milhÁµes de pessoas, é dilacerada por décadas de conflito armado. Infelizmente, na zona leste do Congo as milÁcias armadas usam as mulheres como armas de guerra.
Na África do Sul, uma em cada quatro raparigas é susceptÁvel de ser violada antes de atingir os 16 anos, segundo a organização Childline. A violência sexual perpassa a sociedade À“ em 1994, quando a África do Sul se tornou democrÁ¡tica, reportaram-se 18,801 casos de estupro. O número tinha subido para 24,892, em 2001.
Em Moçambique, não existem dados sistematizados sobre violaçÁµes sexuais. Todavia, amiúde têm acontecido casos chocantes que nos remetem a questionar a sociedade em que vivemos. Não haverÁ¡ mais casos de violação que nunca chegam Á polÁcia ou comunicação social?
Foi contra este pano de fundo que pelo menos a cidade de Maputo juntou-se ao movimento Um Bilhão Cresce para chamar atenção da necessidade de se acabar com a violência contra mulheres e raparigas. Foi um dia em que homens e mulheres foram convidados a “dançar, levantar-se e agirÀ em prol da luta contra a violência baseada no género, ao mesmo tempo que celebravam o trabalho que estÁ¡ sendo feito globalmente no sentido de contê-la, e estancar o fenómeno.
Infelizmente, em Maputo, poucos homens participaram no evento. A desculpa foi de que estavam ocupados nos últimos preparativos para tornar o dia mais romântico para as esposas, parceiras e namoradas. É possÁvel que tenha sido por isso mesmo. Mas o senso comum manda dizer que não se reviram no evento, isto é, não se identificaram com ele.
O que leva a crer que ainda existe um grande caminho a percorrer até que a sociedade como um todo se identifique com a luta contra a violência baseada no género. Se esta hipótese é vÁ¡lida, resta perguntar o que pode ser feito para que a sociedade se identifique com a luta?
Esta é uma pergunta que as organizaçÁµes da sociedade devem responder através da implementação de iniciativas mais interessantes e inovadoras que resultem em mudanças comportamentais tangÁveis. De contrÁ¡rio, os homens apenas portar-se-ão como compassivos em cada dia 14 de Fevereiro, mas nos restantes dias voltarão ao seu normal: machistas e exÁmios no uso da força fÁsica para submeterem as mulheres Á sua vontade.
Bayano Valy é o Editor do Serviço Lusófono da Gender Links. Este artigo faz parte do Serviço Lusófono de Opinião e ComentÁ¡rio da Gender Links
GL Special Advisor @clowemorna opens the floor & breaks the ice in welcoming all the different grantees with their country's @WVLSouthAfrica Conference#GenderEqaulity#CSW69 pic.twitter.com/P9zDtXcIAy
— Gender Links (@GenderLinks) March 5, 2025
Comment on Moçambique: Só um dia e depois voltam ao normal