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Maputo, 26 de Dezembro de 2012 À“ Para Teresa Paulino não ser ouvida tem um duplo sentido: ela é surda-muda e como se não bastasse, por a lÁngua dos sinais não ser massificada entre os moçambicanos, ela é automaticamente excluÁda de quase qualquer processo ou debate nacional.
Paulino não é a única nessas condiçÁµes. Não hÁ¡ dados estatÁsticos que nos mostrem a dimensão do problema, mas a população surda-muda é considerÁ¡vel. Numa recente conferência que juntou quase 200 profissionais de rÁ¡dios comunitÁ¡rias africanas, o grupo populacional de surdos-mudos rondava uns cinco por cento À“ obviamente que esta não é uma amostra suficiente para mostrar a dimensão do problema mas devem existir muitos surdos-mudos que andam “escondidosÀ.
Muitos surdos-mudos não têm uma educação formal dada a gritante falta de escolas especiais no paÁs. Em Maputo, contam-se aos dedos as escolas especiais onde eles podem aprender e nas escolas do paÁs hÁ¡ poucos professores, senão nenhuns, que receberam formação especializada de modo a lidar com alunos surdos-mudos.
Por conseguinte, esse grupo populacional tem problemas sérios de acesso Á informação sobre os vÁ¡rios programas do governo e não só. “A interpretação não estÁ¡ contemplada nos planos do governo, por isso não temos informação,À disse Paulino.
A televisão pública costuma providenciar intérpretes durante o seu primeiro jornal. Mas isso tinha parado com a introdução dos blocos noticiosos hora Á hora. O parlamento moçambicano não dispÁµe de serviços de interpretação para os surdos-mudos.
É verdade que a lÁngua dos sinais é reconhecida no paÁs, mas tal reconhecimento não passa disso. A prÁ¡tica demonstra outra coisa. Sendo que, informação preciosa sobre a prevenção do HIV e SIDA não chega Á esse grupo populacional.
O cenÁ¡rio é ainda mais penoso para as surdas-mudas. Elas correm o risco de ficar infectadas com o vÁrus do HIV justamente porque por serem surdas não ouvem a rÁ¡dio e os interpretes da lÁngua dos sinais são poucos para fazerem chegar a mensagem sobre prevenção; e muitas delas são analfabetas para poderem ler jornais e demais informação sobre a pandemia.
E hÁ¡ surdas-mudas que sofrem violência doméstica em silêncio porque não têm como comunicar os incidentes de violência Á polÁcia, acrescentou Paulino – isso pressupÁµe que pode haver dados que não são colectados sobre a situação da violência doméstica no paÁs.
Obviamente que é preciso romper essa barreira de modo a que esse grupo populacional também possa ter acesso Á informação. O acesso Á informação é um direito fundamental e estÁ¡ consagrado na Constituição da República. Sendo que, é necessÁ¡rio encontrar formas de fazer chegar essa informação Á toda a sociedade.
Outrossim, essa barreira de acesso Á informação pode alimentar o conflito e tensÁµes. O pior de tudo isso é que os surdos-mudos podem decidir se manifestar um desses dias para exigir que os seus direitos sejam respeitados, e como não falam e nem ouvem, pode-se dar o caso de a polÁcia não saber lidar com eles e a tragédia pode acontecer.
Portanto, é importante que o Estado moçambicano tome a peito a questão de massificar o ensino da lÁngua dos sinais de modo a que mais moçambicanos possam ser capazes de se comunicar com este grupo vulnerÁ¡vel.
Ademais, hÁ¡ muito que os parceiros de cooperação deixaram de apoiar este grupo. Penso que não seria pedir muito se parte do que dão Á s vÁ¡rias organizaçÁµes de sociedade civil fosse também canalizada para esse grupo. Argumentos podem ocorrer de que os surdos-mudos nunca a eles se aproximaram com projectos para ser financiados. Mas como é que um grupo que nem fala nem ouve pode saber da existência de fundos para apoiar as suas actividades?
DaÁ que, mais do que ficarem Á espera que os surdos-mudos vão ao seu encontro, os parceiros de cooperação devem sair dos seus gabinetes para ir ao encontro deste grupo populacional.
O conselho vai também para a comunicação social. Como é que os problemas vividos pelos surdos-mudos podem ser conhecidos se a comunicação social não os dÁ¡ voz?
Mas o mais importante é a sociedade toda mudar de mentalidade. Não se pode pensar que os surdos-mudos não existem. Só porque não falam e nem ouvem não significa que não existam e não possam articular os seus anseios e desafios.
Bayano Valy é o editor do Serviço Lusófono da Gender Links. Este artigo faz parte do Serviço Lusófono da GL
0 thoughts on “Moçambique: Sem voz natural e estrutural”
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